Separamos um dos três encontros do Cultura de Base, evento virtual realizado pelo CCPBF, para discutir alguns aspetos em comum entre os grupos e movimentos de cultura popular, em particular os que se expressam na região da Baixada Fluminense, com foco nesse momento de isolamento social. No dia 19 de maio o encontro virtual contou com a participação de Kalunga da Junina, Rafaelle Gomes e Fernando Antonio, todos integrantes de grupos juninos e diretamente envolvidos com os festejos que celebram Santo Antônio, São Pedro e São João, traçando um panorama amplo do que ocorre hoje com esses festejos e grupos, a partir do ponto de vista de cada um dos participantes do bate-papo, nesse segundo ano sem festejos juninos.
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Ivan Machado, recebendo Kalunga, Fernando e Rafaelle |
O primeiro fator a ser discutido aqui é em relação ao número de quadrilhas juninas que se vê hoje em relação aos anos 90 por exemplo, quando Kalunga, integrante da Junina Moçada que Agita em Belford Roxo, iniciou seu vínculo com esses festejos. Hoje, na condição de presidente do Centro Cultural dos Quadrilheiros Juninos do Estado do Rio de Janeiro, ele vê o declínio vertiginoso no número de grupos na região. Dos vinte e oito grupos à época no no recém emancipado município de Belford Roxo, seu grupo é o único em atividade hoje, relata Kalunga. Rafaelle Gomes, professora de história e integrante da Liga de Quadrilhas Juninas de Nova Iguaçu, cita que a burocracia sempre fez parte da vida dos lideres das quadrilhas. No entanto, a pandemia da Covid-19 serviu como forma de agravamento de uma série de outras questões já problemáticas, como a drástica diminuição dos patrocínios, o alto custo das matérias primas e a diminuição do público presente nas festas juninas. Fernando Antônio, o promotor de eventos populares que também organizou festas de folias de reis, aponta para a gestão pública como ponto central da problemática percebida por quem lida com as festas juninas. Além do fator Segurança Pública, citado pelos três participantes como crucial para o afastamento do público, Fernando aponta para a falta de qualificação dos gestores da pasta da cultura nos municípios da Baixada Fluminense. As festas promovidas pelas prefeituras têm cedido espaço em seu repertório para estilos musicais que não interagem com o ideário junino e isso, segundo Rafaelle, contribui significativamente para o o desinteresse do público pela atividade central das festas, cada vez mais esvaziadas. "muitas vezes nos apresentamos pra nós mesmos" diz ela, queixando-se do público escasso. |
Kalunga: "as lives têm sido a saída" |
Já Kalunga trás uma visão esperançosa nesse contexto, entendendo que as lives vêm suprindo a falta de acesso por por parte do público. Outro fator positivo, as transmissões ao vivo possibilita maior interação com quadrilhas juninas de outros estados, ampliando o intercâmbio enquanto garantem maior diversidade de estéticas numa mesma festa, ainda que de forma virtual. Kalunga também aponta que o princípio da Economia da Cultura mudou, passando da agregação de barraqueiros nas festas presenciais para a captação de patrocinadores, veiculando anúncios durante as transmissões ao vivo. Fernando acrescenta que isso tudo não significa o fim das festas juninas. Segundo ele, uma melhor qualificação dos gestores, passando por um organizado aparato de segurança e desburocratização dos mecanismos de "nada opor", podem contribuir para que as festas juninas presenciais retomem sua amplitude e aderência na sociedade. Outro consenso é que falta proximidade entre poder público e movimentos populares de cultura, vide o abaixo acesso de muitos desses grupos aos recursos da Lei Aldir Blanc. |
Fernando: "os secretários de cultura geralmente não ajudam" |
O que concluímos com esse interessante e esclarecedor encontro é que há um paralelo entre todas as manifestações culturais que não têm reflexo na mídia. A falta de aprofundamento dos gestores de cultura quanto ao conhecimento sobre linguagens que se encontram fora do jargão dos grande eventos, aliada a crise financeira e a necessidade de isolamento social tem sido um problema para os grupos tradicionais. Se considerarmos que tais grupos remontam um pouco de nosso passado, tradições e identidades, entenderemos que a escassez dessas manifestações populares contribuem muito para que nossa população se afaste do auto conhecimento. Além do mais, o investimento na beleza estética de nossa cultura popular é algo que pode contribuir muito para que nosso povo sinta orgulho de ser de onde é. Ou seja, a relação custo benefício em dar o devido suporte às expressões de nossa cultura popular é muito favorável, coisa que poucos gestores de cultura na Baixada Fluminense conseguem perceber.
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Rafaelle: "a falta de segurança pública afasta as pessoas" |
Assista a íntegra do encontro através do link