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Festa de Arremate da Folia de Reis Sempre Viva do Oriente-Mestre Claudio |
Texdo de:
Ivan Machado
Mestre Paulão Kikongo
e Thereza Dantas
Em nossos dias, quando se pensa na salvaguarda de expressões
culturais que nos identificam enquanto povo brasileiro e em um país de
dimensões continentais como o nosso, há que se pensar também no longo caminho
trilhado por indivíduos e entidades que, ao longo do tempo, vem buscando
humanizar aquilo que anteriormente chamávamos de folclore. Uma prioridade nesse
contexto de humanização do olhar sobre expressões de nossas tradições
populares, é evitar o descolamento entre ensinamentos, técnicas, crenças,
expressões estéticas e as pessoas que detém tais conhecimentos. Com isso se
justifica um levantamento inicial, realizado pelo Centro de Cultura Popular da
Baixada fluminense, em parceria com a Rede das Cultura populares e Tradicionais
e o Fórum das Culturas Populares e Tradicionais, que dá conta de levantar uma
prévia de quantos são, onde estão e há quanto tempo atuam mestras e mestres de
nossa popular e tradicional fluminense. Nesse levantamento, esses coletivos
tomam como referência marcos legais que tramitam no Legislativo, tanto na
esfera estadual quanto federal.
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Mestras e Mestres do Rio de Janeiro
Na cidade maravilhosa, o Programa de Proteção e Promoção dos
Mestres e Mestras do Patrimônio Cultural Imaterial das culturas populares,
afro-brasileiras, indígenas, caiçaras e de outras comunidades e grupos
tradicionais, o Projeto de Lei Nº 1829/2023, proposto pelo vereador Edson
Santos (PT), o mesmo político responsável pelo PL das Mestras e Mestres das
Culturas Populares no Congresso Nacional, e as vereadoras do PSOL Mônica
Benício, Mônica Cunha e Luciana Boiteux, foi vetado na íntegra pelo atual
prefeito Eduardo Paes, o mesmo que frequenta as rodas de samba com alegria e
amplamente divulgado nas redes sociais da Prefeitura do Rio de Janeiro.
Link do PL
Há falta de entendimento da importância desses mestres e mestras
na vida dos brasileiros, vetar integralmente o PL para Mestres e Mestras da
cidade do Rio de Janeiro demonstra um desrespeito para com quem faz as Rodas de
Samba, os Jongos, as Folias de Reis, as Rodas de Capoeira, a Moda e as Festas
das Culturas Populares e Tradicionais.
Na resposta ao PL Nº 1829/2023 que instituía o Programa de
Proteção e Promoção dos Mestres e do Patrimônio Cultural Imaterial das culturas
populares, afro-brasileiras, indígenas, caiçaras e de outras comunidades e
grupos tradicionais publicada em DO 29 de Novembro de 2023, a justificativa de
que essa “é uma atribuição do Prefeito”, no caso o sr. Eduardo Paes, que
frequenta rodas de samba e diz amar o Carnaval, essa festa tão popular!
A
Lei dos Mestres e um levantamento que a justifique -Link do Veto
Conforme foi dito de início, uma parceria firmada entre o CCPBF e
os dois fóruns que acompanham os marcos legais referentes às culturas
populares, está dialogando com alguns mestre e mestras, no sentido de ponderar
junto a esse, a relevância de uma lei que os contemple. No levantamento feito
entre os dias 10 e 22 de março, tiveram retorno de 37 mestres de folias de
Reis, 13 mestres de capoeira, 03 mestras cirandeiras, 03 erveiras, um mestre
griot e um brincante de Caxambu, todos e todas com idade acima de 50 anos e com
mais de 20 anos de prática em seus respectivos segmentos. Esse levantamento
seguiu os critérios básicos das três propostas legais citadas, deixando claro o
interesse desse segmento na efetiva execução da Lei dos Mestres de Cultura
Popular no âmbito do estado do Rio de Janeiro.
Desde 2020, quando a pandemia da Covid-19 colocou em risco milhões
de idosos no Brasil, além de ceifar a vida de milhares nessa faixa etária,
percebemos o quão frágil é a condição de vida de mestres e mestras que, quase
em sua totalidade, vivem em condições precárias de subsistência. Muitos entre
esses têm limitado acesso a informações que lhes garantam qualidade de vida,
bem como ao que se refere a inclusão digital desses, o que impacta
significativamente no acesso dos mesmos a editais públicos. Estamos cientes que
ideia de Economia da Cultura é uma realidade que eleva o potencial de geração
de renda no PIB nacional, ampliando a relevância do setor cultura, agregando
relevância aos milhares de agentes culturais. No entanto, as culturas populares
e tradicionais, sobretudo aquelas que se manifestam nas comunidades menos
abastadas, não disputam a economia da cultura, o que leva produtores e demais
profissionais do entretenimento a não priorizarem esse segmento em suas
práticas profissionais, no que se refere a captação de recurso que garantam
subsistência a mestres e mestras. Em muitos casos, sobretudo na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, há dificuldades inclusive quanto a viabilidade
de deslocamento de grupos que se expressam através de cortejos, como é o caso
de bate-boleiros e foliões de Reis. Em relação a esses últimos, temos ainda a
questão da violência urbana e a baixa sensação de segurança pública, impedindo
que, em muitos casos, a devoção aos Reis chegue às casas dos devotos que, por
sua vez, sempre foram importante fonte de renda, a partir das “ofertas”
entregues aos mestres, em gratidão pelas visitas e rezas.
Estado que tem muitas Culturas
O Estado do Rio de Janeiro tem uma variedade de comunidades
tradicionais e povos originários que surpreende quem quer conhecer para além do
Carnaval. São Folias de Reis e do Divino, são Serestas, grupos de Mineiro Pau,
Jongos, Rodas de Capoeira, corais Guaranis e Cirandas caiçaras preservados
pelas mestras e mestres espalhados em cidades históricas centenárias como
Valença, Paraty, Angra dos Reis, Vassouras, Barra do Piraí, Conservatória, Rio
das Flores e Petrópolis.
Atenta a essa diversidade cultural, a jovem deputada do PSOL, Dani
Monteiro, conseguiu redigir, com o apoio de vários mestres, o projeto de lei de
Salvaguarda de Mestres e Mestras da Cultura, o PL 1321-A/2023, e que, segundo a
assessoria da deputada, contou com a atenção da Secretaria de Cultura e
Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro, SECEC RJ.
O PL 1321-A/2023 visava “garantir a aposentadoria de mestres e
mestras que dedicaram suas vidas à cultura popular no estado do Rio de Janeiro”
foi aprovado em meados de Dezembro na ALERJ e sancionado pelo atual governador
do Estado do Rio de Janeiro. Apenas dois incisos, II e III do Art. 9, foram
vetados:
“II - receber bolsa mensal, mediante recursos incentivados, no
valor equivalente a:
a) no mínimo, 02 (dois) salários-mínimos nacionais para pessoas
físicas; e
b) no mínimo, 03 (três) salários-mínimos nacionais para grupos;
III - ter prioridade na análise de projetos culturais apresentados
à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, à Secretaria de Estado
de Educação, à Secretaria de Estado de Esportes e Lazer, assim como a outros
órgãos ou entidades integrantes da administração pública estadual.” Justamente os que tratavam da questão
econômica receberam tanta atenção que foram vetadas!
A deputada Dani Monteiro pretende criar uma campanha popular em
2024 para derrubar os vetos do governador que gastou “apenas” 3 milhões de
reais para decorar o camarote na Marquês de Sapucaí, no Carnaval de 2024.
Mestras e Mestres do Brasil
A ideia de Lei dos Mestres e Mestras da Cultura Popular e
Tradicional não é uma novidade como política pública no Brasil.
A Lei Estadual nº 12.196, de 02 de maio de 2002, instituiu a
concessão do título de Patrimônio Vivo do Estado Pernambuco (RPV-PE), que prevê
o pagamento de uma pensão vitalícia para os mestres e ou grupos culturais,
selecionados por meio de edital público, e são lançados anualmente desde então.
A Política dos Mestres da Cultura do Ceará, Lei 13.351/2003, completou 20 anos
de existência em 2023. Em 2006 foi criada a Lei dos Tesouros Vivos, uma
importante política que reconhece as pessoas naturais, os grupos e as
coletividades dotados de conhecimentos e técnicas de ações culturais cuja
preservação e transmissão são reconhecidas e representativas da Cultura
Cearense.
No Nordeste, a visibilidade e o respeito com os mestres e mestras
é presente nos estados de Sergipe, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e
Maranhão. Na região Sudeste, apesar da riqueza cultural, gestores públicos
ainda não se convenceram da importância dos mestres e mestras dos Congados,
Moçambiques, das Folias de Reis e do Divino, da Catira, do Samba de Bumbo
Paulista, e do Samba carioca.
Por fim, quando tomamos conhecimento da implementação Da Política
Nacional Aldir Blanc-PNAB, entendemos que essa seria uma oportunidade ímpar de
garantir amparo financeiro a mestras e mestres de cultura popular e
tradicional, ao menos nos cinco anos de vigência dessa política. Nosso
entendimento é que os erros do presente têm muito a ver com a precária
compreensão de nosso passado, o que fatalmente comprometerá nossas identidades
culturais, no futuro.