Uma Iniciativa do Centro Social Miro Cortez e do CCPBF |
Uma experiência gratificante de articulação comunitária e de sensibilidade criativa em uma comunidade periférica e estigmatizada. É assim que podemos resumir o que foi o desafio de realizar um encontro dessa natureza na Chatuba de Mesquita, localidade estigmatizada pelo descaso do poder público em muitos aspectos. Foram três categorias concorrentes, sendo uma delas exclusivamente voltada a turmas formadas por mulheres, autodenominadas de Bate-boletes. Nessa categoria foi vitoriosa a turma Lunáticas da Chatuba, sendo contemplada na categoria Sombrinha e Adereço a turma Encanto da Chatuba, enquanto a turma Só Família foi a campeão na categoria Bandeira e bola. Foram trinta e uma turmas inscritas, inclusive de regiões, muitas bem distantes do local do evento, como o caso da turma as terríveis d JPA, do bairro gardênia Azul, subúrbio do Rio e As Inesperadas, de Cachoeiro de Macacu.
São diversas as formas de
organização das turmas, que chegam a desembolsar até três mil reais em um
figurino completo, que conta com inovações inclusive tecnológicas nos últimos
anos. Os bate-bolas ou Clovis já ocupam, com mérito, um lugar no carnaval
fluminense. É uma categoria que descreve como poucas o significado de cultura
popular, no sentido que os bate-bolas vêm vivendo mudanças e adaptações ao
longo do tempo, agregando um número cada vez maior de jovens, que tem se
revelado grandes estilistas, com uma estética que lhes permite inovar, com uma
liberdade que respeita os parâmetros básicos estabelecidos coletivamente, mesmo
entre grupos que vivem em bairros ou regiões distantes umas das outras. Não se
sabe exatamente de onde surgiu essa brincadeira, que já aparece simultaneamente
em diversas comunidades da Região Metropolitana do Rio com suas características
básicas, há pelo menos cinquenta anos e cuja visibilidade coincide com o fim da
jornada das folias de Reis. Ou seja, mesmo sendo uma expressão estética e
cultural periférica e popular, alguns fundamentos seguem na base de um movimento
cultural que já carrega em sua história mis de meio século de avanços,
adaptações e pesquisa empírica.
As bate-boletes são um
gracioso exemplo do processo de adaptação dos Clóvis, aos novos tempos do
acesso e fruição da cultura popular. Diferente do ponto de vista ortodoxo do
bate-bola, predominantemente masculino, surgem as bete-boletes, que surge na
última década como a vertente feminina nessa folia. Com um figurino mais leve,
mais compatível com o calor carioca, elas inovam nas danças, adereços e
maquiagem, assimilando os demais aspectos dos brincantes masculinos, como o uso
das barulhentas bolas batinas fortemente no chão, as sombrinhas e as
coreografias marcadas. Segundo levantamento do Observatório de favelas, as turmas
de bate-boletes vem crescendo, já
passando da meta do número de turmas masculinas nos últimos cinco anos, proporção
que aumenta a cada ano, se considerarmos as turmas femininas que vem tomando
espaço na Baixada fluminense e não aparecem nas estatísticas cariocas.
Bate-boletes: inovação e ocupação de espaço |
É claro que os chamados
Clóvis, outro nome dado aos bate-bolas, também sofre influência dos bailes de Pierrots
e colombinas dos bailes chiques europeus, reproduzidos no Brasil. O uso de sombrinhas e outros adereços de mão
dão cota desse imaginário que busca se aproximar da pompa das fantasias
daqueles, nos quais seus imitadores não poderia de forma alguma entrar, não ao
menos na condição de foliões.
Uma das inovações que denotam a disputa de narrativa em relação ao carnaval tradicional e o show pirotécnico, já estabelecido como rito de chegada, assim como ocorre entre as escolas de samba, quadrilhas juninas e folias de Reis. Tomando como exemplo o que ocorre no município de
Mesquita, é possível identificar de onde saem as
turmas de cada bairro, a partir da queima de fogos promovida por cada uma delas.
O que vemos é a busca pela reprodução da grandiosidade de cada durma, que agora
se reflete não apenas na indumentária, mas também no espetáculo pirotécnico,
que pode tranquilamente passar dos dez minutos, durante a estrondosa chegada dos
brincantes. Ainda assim, os bate-bolas aparentam ter consciência de sua
histórica invisibilidade. Com exceção das bate-boletes, que já surgem em um
claro contraponto à austeridade estética dos Covis, as máscaras continuam sendo
um dos elementos fundamentais nas saídas das turmas.
A máscara é estratégica entre os bate-bolas
O uso da máscara é sempre um
aspecto peculiar às manifestações culturais que se adaptaram à realidade das
populações periféricas, sobretudo aquelas que surgem ainda no período no qual a
escravidão ainda é uma realidade em nosso país. O uso da máscara em
festividades nos dias atuais se associa aos bailes de Veneza, onde a nobreza
via interesse em participar dos grandes bailes, buscando passar incógnita
diante do público. No extremo oposto desse exemplo temos jovens que pouco
circulam para áreas distantes de seu lugar de acolhida. Juntamente a isso há
casos de jovens que passaram pelo sistema prisional ou estão em conflito com a
lei e que se sentem pouco seguros em se expor. Outro fator que se torna
positivo no tocante ao grupo é o sentido de unidade que a indumentário
propicia, no sentido de que, tanto a máscara quanto o conjunto do figurino,
horizontaliza etnicamente os participantes. As máscaras dos Clóvis são
estrategicamente elaboradas, possibilitando a ocasional exposição do rosto em intervalos, se tornando um adereço de cabeça quando não cobre o rosto, sendo facilmente recolocadas no momento da apresentação do grupo.
Conforme já foi dito, a
invisibilidade dos bate-bolas é precedida do estigma, comum às manifestações
artísticas populares, sobretudo aquelas, através da quais a negritude se
expressa. O que vemos, a partir das turmas oriundas da Chatuba de Mesquita e
que se reflete nos demais grupos é a forma como a rivalidade dos grupos não
supera a necessidade de acolhimento mútuo. Cientes da condição desconfiança sobre
as quais as demais turmas se manifestam, os grupos se comunicam e se articulam,
socializando informações e expondo novidades desenvolvidas localmente. A evolução
ocorrida a cada ano é absorvida coletivamente, o que ocorre obviamente após a apresentação
de cada turma, que expõe suas inovações em redes sociais que, por sua vez,
passam pelo crivo dos demais grupos de festeiros, que fazem a devida crítica,
criticas essas que dão o tem do próximo ano de festejo e saídas das centenas de
turmas desses foliões perféricos. E que
venha 0 2º Concurso de Bate-bolas de Mesquita, expondo as inovações e
permanências dos Clóvis ou bate-bolas da região metropolitana de nosso estado
fluminense.
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