quarta-feira, 6 de março de 2024

1º CONCURSO DE BATE-BOLA E CLÓVIS DE MESQUITA

Uma Iniciativa do Centro Social Miro Cortez e do CCPBF 

 Uma experiência gratificante de articulação comunitária e de sensibilidade criativa em uma comunidade periférica e estigmatizada. É assim que podemos resumir o que foi o desafio de realizar um encontro dessa natureza na Chatuba de Mesquita, localidade estigmatizada pelo descaso do poder público em muitos aspectos. Foram três categorias concorrentes, sendo uma delas exclusivamente voltada a turmas formadas por mulheres, autodenominadas de Bate-boletes. Nessa categoria foi vitoriosa a turma Lunáticas da Chatuba, sendo contemplada na categoria Sombrinha e Adereço a turma Encanto da Chatuba, enquanto a turma Só Família foi a campeão na categoria Bandeira e bola. Foram trinta e uma turmas inscritas, inclusive de regiões, muitas bem distantes do local do evento, como o caso da turma as terríveis d JPA, do bairro gardênia Azul, subúrbio do Rio e As Inesperadas, de Cachoeiro de Macacu.

São diversas as formas de organização das turmas, que chegam a desembolsar até três mil reais em um figurino completo, que conta com inovações inclusive tecnológicas nos últimos anos. Os bate-bolas ou Clovis já ocupam, com mérito, um lugar no carnaval fluminense. É uma categoria que descreve como poucas o significado de cultura popular, no sentido que os bate-bolas vêm vivendo mudanças e adaptações ao longo do tempo, agregando um número cada vez maior de jovens, que tem se revelado grandes estilistas, com uma estética que lhes permite inovar, com uma liberdade que respeita os parâmetros básicos estabelecidos coletivamente, mesmo entre grupos que vivem em bairros ou regiões distantes umas das outras. Não se sabe exatamente de onde surgiu essa brincadeira, que já aparece simultaneamente em diversas comunidades da Região Metropolitana do Rio com suas características básicas, há pelo menos cinquenta anos e cuja visibilidade coincide com o fim da jornada das folias de Reis. Ou seja, mesmo sendo uma expressão estética e cultural periférica e popular, alguns fundamentos seguem na base de um movimento cultural que já carrega em sua história mis de meio século de avanços, adaptações e pesquisa empírica.

As bate-boletes são um gracioso exemplo do processo de adaptação dos Clóvis, aos novos tempos do acesso e fruição da cultura popular. Diferente do ponto de vista ortodoxo do bate-bola, predominantemente masculino, surgem as bete-boletes, que surge na última década como a vertente feminina nessa folia. Com um figurino mais leve, mais compatível com o calor carioca, elas inovam nas danças, adereços e maquiagem, assimilando os demais aspectos dos brincantes masculinos, como o uso das barulhentas bolas batinas fortemente no chão, as sombrinhas e as coreografias marcadas. Segundo levantamento do Observatório de favelas, as turmas  de bate-boletes vem crescendo, já passando da meta do número de turmas masculinas nos últimos cinco anos, proporção que aumenta a cada ano, se considerarmos as turmas femininas que vem tomando espaço na Baixada fluminense e não aparecem nas estatísticas cariocas.

Bate-boletes: inovação e ocupação de espaço

É claro que os chamados Clóvis, outro nome dado aos bate-bolas, também sofre influência dos bailes de Pierrots e colombinas dos bailes chiques europeus, reproduzidos no Brasil. O uso de sombrinhas e outros adereços de mão dão cota desse imaginário que busca se aproximar da pompa das fantasias daqueles, nos quais seus imitadores não poderia de forma alguma entrar, não ao menos na condição de foliões.

Uma das inovações que denotam a disputa de narrativa em relação ao carnaval tradicional e o show pirotécnico, já estabelecido como rito de chegada, assim como ocorre entre as escolas de samba, quadrilhas juninas e folias de Reis. Tomando como exemplo o que ocorre no município de 

Mesquita, é possível identificar de onde saem as turmas de cada bairro, a partir da queima de fogos promovida por cada uma delas. O que vemos é a busca pela reprodução da grandiosidade de cada durma, que agora se reflete não apenas na indumentária, mas também no espetáculo pirotécnico, que pode tranquilamente passar dos dez minutos, durante a estrondosa chegada dos brincantes. Ainda assim, os bate-bolas aparentam ter consciência de sua histórica invisibilidade. Com exceção das bate-boletes, que já surgem em um claro contraponto à austeridade estética dos Covis, as máscaras continuam sendo um dos elementos fundamentais nas saídas das turmas.



A máscara é estratégica entre os bate-bolas
A máscara é estratégica entre os bate-bolas

O uso da máscara é sempre um aspecto peculiar às manifestações culturais que se adaptaram à realidade das populações periféricas, sobretudo aquelas que surgem ainda no período no qual a escravidão ainda é uma realidade em nosso país. O uso da máscara em festividades nos dias atuais se associa aos bailes de Veneza, onde a nobreza via interesse em participar dos grandes bailes, buscando passar incógnita diante do público. No extremo oposto desse exemplo temos jovens que pouco circulam para áreas distantes de seu lugar de acolhida. Juntamente a isso há casos de jovens que passaram pelo sistema prisional ou estão em conflito com a lei e que se sentem pouco seguros em se expor. Outro fator que se torna positivo no tocante ao grupo é o sentido de unidade que a indumentário propicia, no sentido de que, tanto a máscara quanto o conjunto do figurino, horizontaliza etnicamente os participantes. As máscaras dos Clóvis são estrategicamente elaboradas, possibilitando a ocasional exposição do rosto em intervalos, se tornando um adereço de cabeça quando não cobre o rosto, sendo facilmente recolocadas no momento da apresentação do grupo.

Conforme já foi dito, a invisibilidade dos bate-bolas é precedida do estigma, comum às manifestações artísticas populares, sobretudo aquelas, através da quais a negritude se expressa. O que vemos, a partir das turmas oriundas da Chatuba de Mesquita e que se reflete nos demais grupos é a forma como a rivalidade dos grupos não supera a necessidade de acolhimento mútuo. Cientes da condição desconfiança sobre as quais as demais turmas se manifestam, os grupos se comunicam e se articulam, socializando informações e expondo novidades desenvolvidas localmente. A evolução ocorrida a cada ano é absorvida coletivamente, o que ocorre obviamente após a apresentação de cada turma, que expõe suas inovações em redes sociais que, por sua vez, passam pelo crivo dos demais grupos de festeiros, que fazem a devida crítica, criticas essas que dão o tem do próximo ano de festejo e saídas das centenas de turmas desses foliões perféricos.  E que venha 0 2º Concurso de Bate-bolas de Mesquita, expondo as inovações e permanências dos Clóvis ou bate-bolas da região metropolitana de nosso estado fluminense.

 

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