A Rede Chatuba Solidária-RECHASO
é uma articulação entre entidades da sociedade civil que surge a partir da
Pandemia da Covid-19, unindo ações e propostas com vistas ao enfrentamento à
fome e em favor da vida, no território conhecido como Chatuba de Mesquita. Lançada
pelo O Centro de Cultura Popular a Baixada Fluminense, em parceria com a
Comunidade São Francisco de Assis, o Instituto Mundo Novo, A Associação dos
Agricultures Rurais de Mesquita e o Centro Social Miro Cortez, a RECHASO avalia
as insipientes e pouco eficazes ações governamentais no sentido de enfrentar os
fatores que configuram risco à vida e à saúde na Chatuba. Fatores esses que se
refletem em diversas outras comunidades periféricas fluminenses, daí nossa
reflexão sobre o direito aos SUS, nas favelas.
Augusto, Patricia. Bruna. Anselmo, Toninha, Luizinho e Baia integrantes do RECHASO |
A favela é um problema
histórico a quem quer ignorar os direitos universais de cada cidadão ou cidadã a
vida e o SUS, no que se refere a ações no campo das políticas públicas. Desde
os quilombos de resistência até o surgimento das lideranças comunitárias em
meio a ditadura, inúmeras vozes vêm surgindo, denunciando a omissão da classe
política e a invisibilidade imposta às comunidades periféricas no Brasil. A
crise na segurança pública fluminense também adoece e precariza ainda mais os
territórios periféricos, estigmatizando adultos e jovens que vivem um constante
estranhamento, entre o sentido pertencimento territorial e o estigma local
imposto, através de alguns veículos de mídia e a não rara truculenta ação
policial. Quando observamos os diversos fatores que provocam o adoecimento da
população brasileira, nos sentimos instados a reivindicar mais uma vez o papel
moderador do Estado, garantindo de forma equânime o direito à saúde integral de
nossa população. Nas diversas instâncias de gestão, é o princípio da
descentralização e da equidade que deve promover a proteção social entre os
entes federados, a partir de ações de caráter permanente, por parte do Governo
Federal.
Ainda que seja a cidade o
local de execução das ações de enfrentamento aos agravos que produzem o
adoecimento da população, compete ao Governo Federal a responsabilidade de direcionar
recursos e definir políticas que deem eficácia aos princípios que dizem
respeito ao nosso Sistema Único de Saúde junto as comunidades de baixa renda,
por todo país. A cidade é um corpo vivo, porem doente pela forma como se estabelecem
ações de saúde nas favelas, mantendo uma didática por parte de seus
governantes, que distingue econômica e culturalmente quem tem mais e quem tem
menos direitos. São práticas de gestão excludentes, determinam o lugar e o
papel de cada pessoa no espaço urbano. Ainda que tenhamos um conjunto de marcos
legais que nos colocam entre os países mais avançados no tocante a garantia de
direitos, nos vemos patinando no tocando ao “cumpra-se”, quando o público alvo
é a camada social impossibilitada de acessar direitos sem as estruturas
estatais. Ou seja, o direito à cultura, ao lazer e ao pleno acesso à cidade,
não é financeiramente acessível ao morador de favela, em casos nos quais as
estruturas de gestão estão sujeitas a especulação política. "Nossa
Constituição Cidadã", por sua vez, vem sendo alvo de desconstrução desde o
dia seguinte à sua promulgação, exatamente por nos garantir o pleno acesso à
Saúde, valorizando a vida humana de forma horizontal. No entanto, o que vemos
desde 1988 é um abismo cada vez mais profundo entre o direito a vida e a
transformação da saúde em um rentável negócio. Se considerarmos que a ocupação
de espaços de gestão pública notadamente vem sendo a cada ano visto como forma
de geração de renda e demarcação de território, entenderemos que o direito
universal à vida já está em segundo plano na estrutura estatal brasileira.
Em raros momentos surgem em
nosso país iniciativas que conseguem unir classe política, gestão pública e
sociedade civil, em um contraponto ao desmonte das estruturas de proteção
social das camadas menos favorecidas da sociedade, bem como em alternativa a
precariedade dos mecanismos de escuta. Como exemplo, as audiências públicas e os
milhares de textos surgidos da sociedade civil durante a Assembleia Nacional
Constituinte, contribuíram de forma inegável com a construção daquilo que
chamamos de “Constituição Cidadã”. Foi um momento no qual o país saia de um longo
período de silenciamento da vontade popular, com forte repressão a falas
dissonantes em relação ao regime totalitário que, finalmente, devolvia a Democracia
ao Brasil após forte pressão interna e externa. Quase quarenta anos depois,
percebemos que surge em nossos dias mais uma lacuna para repactuação das
estruturas democráticas, que podem garantir direitos aos mais pobres. É a
partir de agosto de 2023 que 90 favelas do estado do Rio de Janeiro, espalhadas
por 18 municípios de várias regiões, passam a atuar juntas, em busca de uma
mudança de paradigma. Em parceria com importantes instituições de ensino e
pesquisa, foi criado o Plano Integrado de Saúde nas Favelas, através do qual os
saberes e práticas locais passam a propor mudanças na realidade local de cada
comunidade na qual cada uma dessas organizações da sociedade civil está
inserida. É a partir uma estreita relação com Fiocruz, UFRJ, Uerj, PucRJ,
Abrasco, SBPC e a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, que é
possível hoje propor políticas públicas de saúde focadas na cultura da favela. No
entendimento dessas lideranças locais, mesmo a descentralização de recursos,
garantida pela Constituição, não será eficaz sem conhecimento ou reconhecimento
do modo de vida e práticas sociais de cada comunidade, por parte das estruturas
republicanas de poder.
É o princípio da universalização
do acesso à saúde que outorga ao SUS o status de maior programa de saúde do
mundo, reduzindo drasticamente a mortalidade infantil, além da mundialmente
reconhecida eficiência do programa nacional de transplantes, por exemplo. No
entanto, o histórico sucesso do Programa Nacional de Imunização, suscetível a
visões equivocadas sobre a ciência, acende o sinal de alerta para o risco de um
mortal retrocesso, fato que já afeta diretamente a vida dos mais vulneráveis. A
precarização dos serviços de Atenção Básica é outro fator que fragiliza a ação
do SUS “na ponta”, considerando que as prefeituras são cada vez mais
resistentes a concursos públicos, permitindo que milhares de agentes de saúde
permaneçam desprotegidos quanto a seus vínculos trabalhistas. A descontinuidade
de gestão e precariedade das estruturas voltadas as ações de campo, bem como a
saúde mental e física dessa categoria de trabalhadores do SUS, afeta
diretamente a qualidade de vida dos moradores das favelas, no sentido que a
permanência dessas trabalhadoras e trabalhadores está sujeita à visão política
dos gestores municipais. O que defendemos a partir de tais premissas é uma
gestão do Ministério da Saúde que se mostre claramente comprometida com os
princípios constitucionais que norteiam o SUS. Assim como ocorre com as
instâncias de maior relevância ligadas ao Judiciário e nos colegiados de
controle social, temos como visão estratégica a garantia de mandato para a
gestão do Ministério da Saúde, com anuência de um conjunto de gestores,
pesquisadores e docentes, ligados ao SUS. Defendemos ainda que as favelas sejam
foco de uma política setorial específica no campo da Saúde, assim como ocorre
com populações indígenas, considerando o elevado nível de vulnerabilidade na
qual viva a população de favela. Entendemos ser imprescindível ter a segurança
alimentar e nutricional como ação de saúde pública, pois entendemos que a fome
limita a capacidade produtiva dos cidadãos e, nos casos crônicos recorrentes
nas favelas, pode levar à morte. Por fim, reivindicamos maior nível de proteção
social aos agentes de saúde, enquanto categoria profissional, bem como o
estabelecimento de um programa de educação permanente voltado à mesma, com foco
na saúde de populações periféricas.
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