domingo, 20 de outubro de 2024

Governador, onde estão os 25 milhões para saúde nas favelas? a sociedade que saber!

Representantes do coletivo 146X Favela e apoiadores, no Clube de engenharia

 Sexta-feira, 18 de outubro, foi o dia no qual o coletivo de projetos que compõe o 146X Favela se reuniu no Clube de Engenharia, para apresentar mais uma vez à sociedade um conjunto de justificativas para o acesso a 25 milhões de reais que o governo do estado do Rio de Janeiro insiste em reter. Para ampliar ações de saúde voltadas a populações que vivem em favelas e demais comunidades periféricas, a ALERJ disponibilizou, em 2021, 20 milhões para lançamento de editais através da FIOCRUZ, cujos valores o Governador Claudio Castro reteve. Há hoje risco de novo contingenciamento, agora de 25 milhões da mesma fonte de recursos, tendo em vista a negativa do governador Cláudio Castro em dar retorno às diversas tentativas de diálogo sobre o assunto. A proposta é ampliar o número ações de saúde nas favelas, a partir das próprias lideranças locais, de modo a contribuir para a elevação no nível de informação e acesso à saúde, propondo alternativas que contribuam para estabelecer políticas mais eficazes e objetivas, nos territórios.

A arte, influenciando a ação de saúde

Cartaz do filme 5X favela: inspiração ara o movimento

Em março de 2021 foi lançado pela Fundação Oswaldo o primeiro edital do Plano de Enfrentamento à COVID-19 nas favelas do Rio de Janeiro, o qual recebeu um apelido inspirado no filme “5X Favela – Agora Nós por Nós”. Esse edital no valor total de 20 milhões, passou a ser identificado por seus integrantes como 54X Favela e contemplou iniciativas que pudessem mitigar os efeitos da Covid-19 em comunidades que já vivem na prática uma condição de isolamento social, agravada então pela Pandemia. Ao final dessa primeira iniciativa, mais de 100 mil pessoas foram alcançadas em 75 favelas de nosso estado, demonstrando assim a relevância de uma ação de saúde coletiva realizada em parceria com lideranças locais e estruturas públicas de saúde. A ideia do “nós por nós” cresceu, tendo em vista que as ações iniciais levantaram questões importantes que não poderiam mais ser ignoradas, como a Tuberculose e a fome. Nessa nova chamada, o coletivo que promove de ações locais de saúde se eleva para 90 iniciativas. Agora são ações focadas também na segurança alimentar, comunicação e informação, emprego e renda, sustentabilidade e educação. Mesmo com o sucesso das iniciativas nessa segunda etapa, o governo do estado se mantinha alheio ao diálogo quanto a liberação dos recursos já destinados aos objetivos do Programa de saúde Integral nas Favelas, ao que surge o auxílio da própria FIOCRUZ, que disponibilizou recursos próprios para que as ações não fossem encerradas. Foi a destinação de 25 milhões da ALERJ em 2023 que motivou o lançamento de um segundo edital do mesmo programa. Agora o Coletivo de coordenadores dos projetos que integram o Programa 146X Favela reivindica o desbloqueio dos recursos, mais uma vez retido pelo governador Cláudio Castro. É importante considerar que foram 275 mil pessoas diretamente beneficiadas, sendo o combate a fome o fator que mais impactou os territórios, com 370 toneladas de alimentos distribuídos, números que serão facilmente dobrados ao fim dessa terceira etapa, o que já se torna uma justificativa para que o desvio de finalidade desses 25 milhões não se dê, mais uma vez. São iniciativas que contribuem diretamente para a elevação no nível de cidadania dos territórios, possibilitando, em perspectiva, o desenvolvimento de uma nova cultura de direitos, com menos paternalismo e maior consciência de quem vive em condições de vulnerabilidade.

Estel, acolhendo o coletivo 146X favela
em nome do Clube de engenharia

Vale um destaque especial a cada apoio dedicado ao pleito do coletivo 146X favela, que surge de diversas frentes. O Clube de engenharia, por exemplo, criado no final do Século XIX, dedica hoje, através de sua nova diretoria, uma especial preocupação com o desenvolvimento socioambiental das comunidades periféricas. Bom exemplo disse vem do acolhimento de nosso coletivo, através do engenheiro Sanitarista Estel, a quem os moradores da Chatuba conhecem muito bem.  Durante a vigência do Programa Nova Baixada (2000-2003), Estel contribuiu significativamente para a humanização dos serviços de saneamento básico no território, demonstrando respeito pela opinião das lideranças locais, o que garantiu a elevação do IDH do municípios em anos posteriores. de igual modo, a imprensa também compreendeu a relevância dese movimento, vide a matéria publicada na coluna de Ancelmo Góis no site e no jornal O Globo, no mesmo dia do evento. A matéria destaca os avanços possíveis, caso o governador claudio Castro não repita o contingenciamento de mais esse recurso para um programa específico de enfrentamento da precariedade da saúde nas favelas fluminenses.    

É possível fazer muito, caso o governo libere os 25Mi
É possível avanças, caso o Governo do estado cumpra a lei

O estado brasileiro não produz cultura, mas tem interferência direta nas estruturas que podem interferir nosso modo de vida. É com base na oralidade e em nossa tradição de lidar com ervas e plantas que compreendemos, por exemplo, como a automedicação teve adesão entre pessoas de baixa renda e de pouco acesso a especialidades médicas. Quando observamos como nosso Sistema Único de saúde vem sofrendo ostensiva perseguição por parte de quem vê saúde como negócio, entendemos que investir em um Plano Integrado de Saúde nas Favelas pode ser uma forma didática de propor um novo olhar da população às condições de saúde em seus territórios. O Centro de Cultura Popular da Baixada fluminense, integrante do coletivo 146X Favela, se alinha aos demais coletivos, parceiros institucionais e parlamentares, cobrando do governador Cláudio Castro a imediata liberação do 25 milhões de Reais, pela saúde plena de nossa gente.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

A VANGUARDA E A CRIATIVIDADE DE GENTE QUE O ETARISMO ESCONDE

 

O que nos conecta e nos dá felicidade? (imagem gerada por IA)

Por Ivan Machado*

O etarismo, palavra que define a discriminação por conta da idade, tem sido cada vez mais evidente nas relações sociais, nas políticas de direitos e até mesmo na cultura do trabalho, no sentido que o senso comum define o idoso como alguém que não se encaixa nesses novos tempos de acesso imediato à informação e aos meios de produção de massa. Isso se dá não exatamente por conta das novas tecnologias, mas ao que se refere a distância entre produção e consumo, distanciamento social, imediatismo e, consequentemente, à forma rasa como lidamos com a informação e a transmissão de conhecimento nos dias de hoje. No entanto, em se tratando de expressões tradicionais da cultura, o “mais velho” se mantém como referência no que diz respeito a memória e acúmulo de sabedoria que, por sua vez, desagua na oralidade enquanto método de comunicação social e formação em vários sentidos, o que não entre necessariamente em desacordo com o tempo presente e seus estamentos. Para contextualizar essa breve discussão sobre o etarismo e o acesso à informação e ao que consumimos, no contexto das culturas populares, penso que vale tomar como referência as contradições existentes entre redes sociais, que se distanciam em relação a seu uso ao longo do tempo, entre faixas etárias distintas. 

Completados 20 anos de existência em fevereiro 2024, me veio à mente que o Facebook de Mark Zuckerberg e seus colegas de faculdade, forjou a ideia de Rede Social. A proposta inicial era a de conectar pessoas de diversos perfis e grupos sociais, diminuindo distâncias, dando assim outro sentido à ideia de globalização. Ocorre que mesmo dentro dessa vanguardista mídia social, naturalmente surge um fenômeno típico de uma cultura de base, que é o agrupamento de pessoas por afinidades, e com o passar dos anos foi possível aos seus idealizadores, assimilar e lucrar com a ideia de que o ser humano tende a se fechar em grupos de interesse, principalmente no que se refere a opinião e visão de mundo. Já o TikTok foi criado em 2016 por uma empresa chinesa e, assim como se deu com o Facebook em 2004, sua faixa etária também compreende majoritariamente jovens e adultos jovens com idades entre 16 e 35 anos, segundo dados da própria plataforma. Surge assim uma empresa voltada puramente ao entretenimento, na qual as discussões sobre sociedade e suas relações não são parte relevante dos vínculos a serem estabelecidos. O fenômeno que desagua no imenso mar da informação e troca de ideias em nossos dias é que o usuário de TikTok não é chegado ao “textão” e ao debate. É uma plataforma que prioriza performances audiovisuais de poucos segundos, no lugar de troca de ideias, impulsionando expressões inusitadas e divertidas da sociedade, como forma de atrair pessoas. É interessante pensar inclusive na fala de um dos primeiros desenvolvedores do Instagram, quando diz que “se uma plataforma digital oferece acesso gratuito, com certeza o produto é você”, se referindo à grande quantidade empresas que compram informações relacionadas ao perfil de consumo dos assinantes dessas plataformas online. Segundo a Revista Exame, a capacidade de aliar fotos e vídeos bastante diversificados, faz do Brasil o segundo país mais lucrativo para o Instagram, depois dos EUA. Se considerarmos que pessoas com quarenta anos ou mais em sua maioria ainda preferem o Facebook,  é possível deduzir os motivos pelos quais grande parte dos brasileiros com mais idades preferirem não migrar para outras redes sociais. Podemos considerar então a existência de um tipo de “etarismo digital”, no sentido que, vinte anos depois, muitos preferem manter seu lugar de boas memórias, vide as “lembranças” que o Facebook oferece para repostagem, em um tipo de álbum de fotos antigas que a gente revê de quando em quando, habito que um adolescente típico simplesmente ignora.

Outro fator importante a ser compreendido sob a viés do etarismo é o que define gosto e consumo, não mais a partir de uma apreciação e desejos, desenvolvidos a partir do seio familiar ou de pequenos grupos sociais. Em março de 1816 chegou ao Brasil uma missão de artistas franceses, com a Real missão de trazer o belo o novo, em um nível elevado de refinamento, de modo a estabelecer uma cultura mais palatável para os novos tempos. A final, era uma época na qual tínhamos o único rei comandando um país nas américas. A partir daí, tudo que existia esteticamente atraente passaria a ser considerado no máximo, folclórico. Já em nossos tempos, é possível verificar que, partir de 2010, a opinião sobre beleza e vanguarda se torna um tipo de direito adquiriudo por parte de profissionais das redes sociais. Amplamente conhecidos hoje sob o status de influenciadores digitais, pessoas passam a ser pagar por empresas para divulgar produtos e convencer potenciais consumidores, sobretudo com o advento do algoritmo. Essa agora é uma ferramenta que potencializa o olhar de quem acessa as redes sociais, criando um ciclo de luzes que atraem espectadores como moscas. Assim, o gosto é transformado em algo que se aprimora à distância e ao longo do tempo, influenciando uma geração inteira, inclusive gerando conflitos pessoais em quem conheceu a ideia anterior de desejo, produção e consumo.

O etarismo se faz perceber inclusive na chamada economia da cultura ou Economia Criativa, enquanto modo de produção e modelo de gestão. Os fatores que definem nossas identidades, são percebidos com mais naturalidade na base da sociedade que, por sua vez, cria capilaridade nas demais camadas sociais, vide o que ocorre com o carnaval e a glamorosa festa dos bois Caprichoso e Garantido. Definir a estética da cultura meramente como um produto a ser consumido a partir de uma eficiente exposição midiática é um equívoco. As culturas populares se movimentam ao sabor de seu próprio tempo, ainda que fazendo uso das redes sociais como forma de criar vínculos e visibilidade. É claro que uma feira de artesãs necessita de um perfil no Instagram para criar referência de localização, acesso e venda de seus produtos. No entanto, em relação a visibilidade desses, não existe em um grupo de Chorinho, por exemplo, a mesma pressão que sofre uma banda de algum gênero pop, cujas contratação, lotação do show, bem como sua credibilidade, estão diretamente atreladas à quantidade de seguidores e curtidas, preferencialmente aos milhares ou milhões. Nesse caso, o modelo de gestão focado na economia da cultura também tornam-se mais um fator importante na manutenção do etarismo, algo que até mesmo gestores renomados de cultura corroboram, haja vista que postagens em redes sociais são hoje a principal forma de comprovação da atuação dos grupos criativos, no campo da cultura e acesso a recursos púbicos. 

Outra conclusão à qual podemos chegar é que o etarismo é também percebido pela forma como o Mercado explora a produção industrial e a faz chega até nós, mesmo em tempos de recessão extrema, como vemos a partir de 2020, com a Pandemia da covid-19 e o decorrente isolamento social. Nesse período muitas lojas físicas passam a aderir ao modelo de vendas online, enquanto estudos mostram que, naquele ano, as vendas pela internet passaram de 5% para 10%, chegando a um montante de 61% das vendas, em comparação com as vendas em lojas físicas. Nesse ano de 2024, é possível contar nos dedos de uma das mãos quem são as pessoas de nossas relações mais próximas, que não têm em seus Smartphones um app do Mercado Livre ou Shopee e em que faixa etária estão essas pessoas. Um dado pouco difundido na mídia é que as vendas em lojas ainda atendem a 75% das vendas e que há redes de varejo adotam o chamado omnichannel, onde o atendimento presencial é feito em consonância com os estoques e outras lojas de uma rede. Ou seja, enquanto o Mercado cria estratégias de mídia, voltadas ao lucrativo mercado online, há o entendimento de que uma cultura de consumo presencial e de atendimento humanizado, ainda é visto como fundamental pela grande maioria da população. Destacamos aí os chamados Baby Boomers, que são os nascidos entre 1945 e 1964. São pessoas que vêm ao mundo exatamente no momento das grandes mudanças tecnológicas e culturais sob o ponto de vista global. É aquele vovô chato, que desconfia de facilidades e prefere um atendimento humanizado, ainda que isso desafia os avanços da humanidade, as quais prometiam trazer-lhe mais segurança e praticidade.

Devemos ainda ponderar se um círculo familiar, uma comunidade religiosa ou grupo cultural tradicional configuram “o lugar do velho” ou se esses são lugares onde tradicionalmente se valoriza o acolhimento e aprendizado através da sabedoria e da diversidade. Um grupo de jongueiros ou capoeiristas não vai realizar suas rodas e batuques apenas nos terreiros e quintais, algo que está cada vez mais escasso na Região Metropolitana, devido ao crescimento das famílias de baixa renda e sua restrita capacidade financeira de se deslocais a outros territórios além daquele onde os afetos são estabelecidos. É possível no entanto batucar em quadras cobertas, praças, inclusive transmitindo a roda e a brincadeira pelo Youtube. Porém, as cantigas e jogos de corpo continuam sendo ensinadas na própria roda, sob o canto didático dos mais velhos, o que dá sentido de pertencimento a que vive a roda, ainda que tudo isso faça parte da rede social na qual se inserem jongueiros e capoeiristas. E porque não falar das tradicionais feiras de economia criativa como a do Lavradio, a Feira Hype de Copacabana ou mesmo o Festival Café, Cachaça e Chorinho, no Vale do Café, ou ainda os incontáveis motoclubes, onde famílias inteiras têm a possibilidade de usufruir de agradáveis encontros presenciais, entre pessoas de origens e faixas de idade e renda, tão distintos? 

Se engana, no entanto, quem não percebe que as novas tecnologias e a economia da cultura não estão ali, também entre os mais velhos. Não adianta também esconder o fato que a oferta de facilidades e respostas pré-estabelecidas inibem o potencial criativo e a curiosidade dos mais jovens, criando uma grande massa de consumidores, em detrimento de uma necessária parcela de jovens criadores. É sempre bom lembrar que é desses velhos de hoje aquelas jovens mentes persistentes e criativas de 40, 50, 60 anos atrás, que fizeram com que memórias fundamentais e possibilidades criativas chegassem a essa geração, obra daqueles que experimentaram ou mesmo desenvolveram importantes avanços tecnológicos, com os quais convivemos hoje.  

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* Ivan Machado é professor de história, arte-educador, mestre em educação e presidente do Centro de Cultura Popular da Baixada Fluminense