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O que nos conecta e nos dá felicidade? (imagem gerada por IA) |
Por Ivan Machado*
O etarismo, palavra que define a discriminação por conta da idade,
tem sido cada vez mais evidente nas relações sociais, nas políticas de direitos
e até mesmo na cultura do trabalho, no sentido que o senso comum define o idoso
como alguém que não se encaixa nesses novos tempos de acesso imediato à
informação e aos meios de produção de massa. Isso se dá não exatamente por
conta das novas tecnologias, mas ao que se refere a distância entre produção e
consumo, distanciamento social, imediatismo e, consequentemente, à forma rasa
como lidamos com a informação e a transmissão de conhecimento nos dias de hoje.
No entanto, em se tratando de expressões tradicionais da cultura, o “mais
velho” se mantém como referência no que diz respeito a memória e acúmulo de
sabedoria que, por sua vez, desagua na oralidade enquanto método de comunicação
social e formação em vários sentidos, o que não entre necessariamente em
desacordo com o tempo presente e seus estamentos. Para contextualizar essa
breve discussão sobre o etarismo e o acesso à informação e ao que consumimos, no
contexto das culturas populares, penso que vale tomar como referência as contradições existentes entre redes sociais, que se distanciam em relação a seu uso ao longo do tempo, entre
faixas etárias distintas.
Completados 20 anos de existência em fevereiro 2024, me veio à mente que o
Facebook de Mark Zuckerberg e seus colegas de faculdade, forjou a
ideia de Rede Social. A proposta inicial era a de conectar pessoas de diversos
perfis e grupos sociais, diminuindo distâncias, dando assim outro sentido à
ideia de globalização. Ocorre que mesmo dentro dessa vanguardista mídia social,
naturalmente surge um fenômeno típico de uma cultura de base, que é o
agrupamento de pessoas por afinidades, e com o passar dos anos foi possível aos
seus idealizadores, assimilar e lucrar com a ideia de que o ser humano tende a
se fechar em grupos de interesse, principalmente no que se refere a opinião e
visão de mundo. Já o TikTok foi criado em 2016 por uma empresa chinesa e, assim
como se deu com o Facebook em 2004, sua faixa etária também compreende majoritariamente
jovens e adultos jovens com idades entre 16 e 35 anos, segundo dados da própria
plataforma. Surge assim uma empresa voltada puramente ao entretenimento, na
qual as discussões sobre sociedade e suas relações não são parte relevante dos
vínculos a serem estabelecidos. O fenômeno que desagua no imenso mar da informação
e troca de ideias em nossos dias é que o usuário de TikTok não é chegado ao
“textão” e ao debate. É uma plataforma que prioriza performances audiovisuais de
poucos segundos, no lugar de troca de ideias, impulsionando expressões
inusitadas e divertidas da sociedade, como forma de atrair pessoas. É interessante
pensar inclusive na fala de um dos primeiros desenvolvedores do Instagram, quando
diz que “se uma plataforma digital oferece
acesso gratuito, com certeza o produto é você”, se referindo à grande quantidade
empresas que compram informações relacionadas ao perfil de consumo dos
assinantes dessas plataformas online. Segundo a Revista Exame, a capacidade de
aliar fotos e vídeos bastante diversificados, faz do Brasil o segundo país mais
lucrativo para o Instagram, depois dos EUA. Se considerarmos que pessoas com
quarenta anos ou mais em sua maioria ainda preferem o Facebook, é possível deduzir os motivos pelos quais grande
parte dos brasileiros com mais idades preferirem não migrar para outras redes
sociais. Podemos considerar então a existência de um tipo de “etarismo digital”,
no sentido que, vinte anos depois, muitos preferem manter seu lugar de boas
memórias, vide as “lembranças” que o Facebook oferece para repostagem, em um
tipo de álbum de fotos antigas que a gente revê de quando em quando, habito que
um adolescente típico simplesmente ignora.
Outro fator importante a ser compreendido sob a viés do
etarismo é o que define gosto e consumo, não mais a partir de uma apreciação e
desejos, desenvolvidos a partir do seio familiar ou de pequenos grupos sociais.
Em março de 1816 chegou ao Brasil uma missão de artistas franceses, com a Real
missão de trazer o belo o novo, em um nível elevado de refinamento, de modo a
estabelecer uma cultura mais palatável para os novos tempos. A final, era uma
época na qual tínhamos o único rei comandando um país nas américas. A partir
daí, tudo que existia esteticamente atraente passaria a ser considerado no
máximo, folclórico. Já em nossos tempos, é possível verificar que, partir de
2010, a opinião sobre beleza e vanguarda se torna um tipo de direito adquiriudo
por parte de profissionais das redes sociais. Amplamente conhecidos hoje sob o
status de influenciadores digitais, pessoas passam a ser pagar por empresas
para divulgar produtos e convencer potenciais consumidores, sobretudo com o
advento do algoritmo. Essa agora é uma ferramenta que potencializa o olhar de
quem acessa as redes sociais, criando um ciclo de luzes que atraem espectadores
como moscas. Assim, o gosto é transformado em algo que se aprimora à distância
e ao longo do tempo, influenciando uma geração inteira, inclusive gerando
conflitos pessoais em quem conheceu a ideia anterior de desejo, produção e
consumo.
O etarismo se faz perceber inclusive na chamada economia da
cultura ou Economia Criativa, enquanto modo de produção e modelo de gestão. Os
fatores que definem nossas identidades, são percebidos com mais naturalidade na
base da sociedade que, por sua vez, cria capilaridade nas demais camadas
sociais, vide o que ocorre com o carnaval e a glamorosa festa dos bois
Caprichoso e Garantido. Definir a estética da cultura meramente como um produto
a ser consumido a partir de uma eficiente exposição midiática é um equívoco. As
culturas populares se movimentam ao sabor de seu próprio tempo, ainda que
fazendo uso das redes sociais como forma de criar vínculos e visibilidade. É
claro que uma feira de artesãs necessita de um perfil no Instagram para criar
referência de localização, acesso e venda de seus produtos. No entanto, em
relação a visibilidade desses, não existe em um grupo de Chorinho, por exemplo,
a mesma pressão que sofre uma banda de algum gênero pop, cujas contratação, lotação
do show, bem como sua credibilidade, estão diretamente atreladas à quantidade
de seguidores e curtidas, preferencialmente aos milhares ou milhões. Nesse
caso, o modelo de gestão focado na economia da cultura também tornam-se mais um fator
importante na manutenção do etarismo, algo que até mesmo gestores renomados de
cultura corroboram, haja vista que postagens em redes sociais são hoje a
principal forma de comprovação da atuação dos grupos criativos, no campo da
cultura e acesso a recursos púbicos.
Outra conclusão à qual podemos chegar é
que o etarismo é também percebido pela forma como o Mercado explora a produção
industrial e a faz chega até nós, mesmo em tempos de recessão extrema, como
vemos a partir de 2020, com a Pandemia da covid-19 e o decorrente isolamento
social. Nesse período muitas lojas físicas passam a aderir ao modelo de vendas
online, enquanto estudos mostram que, naquele ano, as vendas pela internet
passaram de 5% para 10%, chegando a um montante de 61% das vendas, em
comparação com as vendas em lojas físicas. Nesse ano de 2024, é possível contar
nos dedos de uma das mãos quem são as pessoas de nossas relações mais próximas,
que não têm em seus Smartphones um app do Mercado Livre ou Shopee e em que
faixa etária estão essas pessoas. Um dado pouco difundido na mídia é que as
vendas em lojas ainda atendem a 75% das vendas e que há redes de varejo adotam
o chamado omnichannel, onde o
atendimento presencial é feito em consonância com os estoques e outras lojas de
uma rede. Ou seja, enquanto o Mercado cria estratégias de mídia, voltadas ao
lucrativo mercado online, há o entendimento de que uma cultura de consumo
presencial e de atendimento humanizado, ainda é visto como fundamental pela grande
maioria da população. Destacamos aí os chamados Baby Boomers, que são os
nascidos entre 1945 e 1964. São pessoas que vêm ao mundo exatamente no momento
das grandes mudanças tecnológicas e culturais sob o ponto de vista global. É aquele
vovô chato, que desconfia de facilidades e prefere um atendimento humanizado,
ainda que isso desafia os avanços da humanidade, as quais prometiam trazer-lhe
mais segurança e praticidade.
Devemos ainda ponderar se um círculo familiar, uma comunidade
religiosa ou grupo cultural tradicional configuram “o lugar do velho” ou se
esses são lugares onde tradicionalmente se valoriza o acolhimento e aprendizado
através da sabedoria e da diversidade. Um grupo de jongueiros ou capoeiristas
não vai realizar suas rodas e batuques apenas nos terreiros e quintais, algo
que está cada vez mais escasso na Região Metropolitana, devido ao crescimento
das famílias de baixa renda e sua restrita capacidade financeira de se
deslocais a outros territórios além daquele onde os afetos são estabelecidos. É
possível no entanto batucar em quadras cobertas, praças, inclusive transmitindo
a roda e a brincadeira pelo Youtube. Porém, as cantigas e jogos de corpo
continuam sendo ensinadas na própria roda, sob o canto didático dos mais
velhos, o que dá sentido de pertencimento a que vive a roda, ainda que tudo
isso faça parte da rede social na qual se inserem jongueiros e capoeiristas. E
porque não falar das tradicionais feiras de economia criativa como a do
Lavradio, a Feira Hype de Copacabana ou mesmo o Festival Café, Cachaça e
Chorinho, no Vale do Café, ou ainda os incontáveis motoclubes, onde famílias inteiras
têm a possibilidade de usufruir de agradáveis encontros presenciais, entre
pessoas de origens e faixas de idade e renda, tão distintos?
Se engana, no entanto, quem não percebe que as novas
tecnologias e a economia da cultura não estão ali, também entre os mais velhos. Não
adianta também esconder o fato que a oferta de facilidades e respostas pré-estabelecidas
inibem o potencial criativo e a curiosidade dos mais jovens, criando uma grande
massa de consumidores, em detrimento de uma necessária parcela de jovens criadores.
É sempre bom lembrar que é desses velhos de hoje aquelas jovens mentes persistentes
e criativas de 40, 50, 60 anos atrás, que fizeram com que memórias fundamentais
e possibilidades criativas chegassem a essa geração, obra daqueles que
experimentaram ou mesmo desenvolveram importantes avanços tecnológicos, com os
quais convivemos hoje.
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* Ivan Machado é professor de história, arte-educador, mestre em educação e presidente do Centro de Cultura Popular da Baixada Fluminense