![]() |
Emilia Perez: um filme que divide mesmo as opiniões? (foto:redes sociais) |
Por Ivan Machado
Ao assistir o filme Emilia Pérez, protagonizado pela atriz espanhola e trans, Carla Sofia Gazcón, acreditei piamente que, finalmente, a mais cobiçada academia do cinema mundial estava finalmente colocando o público LGBTQIA+ em seu lugar de direito, oportunizando acesso justo ao talento de uma comunidade vitima de tantos preconceito. Os doze prémios conquistados desde seu lançamento em 2024, me convenceu de que algumas impressões iniciais sobre o filme de Jacques Aldiard, cairiam por terra diante de olhares tão técnicos, como os de experientes profissionais da sétima arte, mundo a fora.
Ledo engano. Ao me debruçar sobre algumas das
diversas impressões do universo Transgênero sobre o filme, me dei conta da
armadilha na qual eu e tantas outras pessoas Cisgênero como eu caímos, ou mesmo,
nos jogamos, ao tentar defender ideias sobre as quais não tempos lugar de fala,
mesmo que munidos de uma suposta visão progressista. A final, quem de nós nunca se arvorou no
deseja de “dar voz” a esse ou aquele grupo social vulnerabilizado, em detrimento da necessidade de dar-lhes "ouvidos”?
Militante ou "cirandeiro"?
Há situações nas quais de fato grupos vulnerabilizados carecem de amplo apoio social. No entanto, usar de artifícios estéticos para defender causas mais profunda é um equívico que precisamos evitar, sobretudo se não temos uma causa própria ou coletiva, com a qual temos relação ou vínculo direto. A esse aglomerado de militantes sazonais ficou comum chamar de "esquerda cirandeira". Veja o que o site um trecho da reportagem de Paulo Mota e Edilane damasceno sobre o uso do termo:
Em 2016, durante manifestações contra o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, integrantes do PCO (Partido da Causa Operária) impediram integrantes do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) de dançarem uma roda de ciranda, como parte do protesto. A partir daí, virou meme o termo “esquerda cirandeira” que seria utilizado de forma pejorativa para criticar pessoas que seriam de uma “esquerda Nutella”, mais chegados ao oba-oba, do que à luta, e mais ligadas à elite intelectual do país do que às classes trabalhadoras.
Abaixo segue duas dicas básicas para que possamos compreender um pouco mais sobre o universo trans, sem os equívocos comuns a quem entende que pode dar uma força à necessária diversidade.
A primeira dica é o
documentário de 2020, REVELAÇÃO, que tem 1:47h de duração, disponível na
plataforma NETFLIX. “Neste documentário, nomes influentes da arte e do
pensamento transgênero analisam o impacto de Hollywood na comunidade trans.”
A segunda dica segue abaixo
na íntegra, é a coletânea de impressões que o site GLAAD fez sobre o filme, em novembro de
2024, sempre com a escrita de pessoas pertencentes ao universo trans. São abordagens diferentes sobre o mesmo filme, diversificando opiniões. A
matéria do site está em inglês. Mas, como é possível traduzir através do
navegador, o texto aqui está em português. Segue também link para consulta de outras
referências contidas no texto, inclusive o filme que recomendamos acima.
A íntegra da matéria do site Glaad
Agora
que “Emilia Pérez” está disponível na Netflix [na europa e EUA], mais pessoas podem criticar esse
retrato profundamente retrógrado de uma mulher trans.
Embora
o filme tenha recebido ótimas críticas quando estreou em Cannes no início deste
ano, nenhuma dessas críticas foi escrita por pessoas trans. Há um desafio
contínuo com festivais de cinema de alto nível programando filmes sobre pessoas
trans – que são então vistos e avaliados por críticos cisgênero – meses antes
de uma pessoa transgênero real poder assistir ao filme. Isso aconteceu em 2018
com o filme “ Girl ”, também adquirido pela Netflix em
Cannes.
Enquanto
algumas críticas elogiam as performances em “Emilia Pérez” ou os valores de
produção do filme, os críticos que estão focados na representação trans do
filme contam uma história muito diferente. Reunimos várias dessas críticas
abaixo — a maioria delas de críticos transgêneros. Esses críticos entendem como
representações inautênticas de pessoas trans são ofensivas e até perigosas.
Se
essas análises fizerem você querer aprender mais sobre a história da
representação trans no cinema e na televisão, você pode assistir ao
documentário inovador “ Disclosure ”, que a Netflix comprou
no Sundance em 2020. “Disclosure” é um exame aprofundado da maneira como o
cinema e a televisão venderam histórias distorcidas e difamatórias sobre
pessoas transgênero por mais de 100 anos. Depois de assistir a “Disclosure”,
você verá como “Emilia Pérez” recicla os estereótipos, tropos e clichês trans
de um passado não tão distante.
“Emilia
Pérez” é um passo para trás na representação trans. A Netflix também está
transmitindo o novo documentário “ Will & Harper ”,
no qual uma mulher transgênero compartilha sua própria história com suas
próprias palavras. Aqui está uma história sobre
filmes e programas sobre pessoas trans que receberam uma indicação ao GLAAD
Media Award no ano passado. Este é o tipo de representação trans que o mundo
precisa agora mais do que nunca.
por BJ Colangelo (SlashFilm)
"Mas considerando as críticas
legítimas que foram feitas contra o filme em relação à sua representação trans e à sua representação da cultura mexicana , é
extremamente decepcionante perceber quantos eleitores da Academia estão
completamente desinformados e claramente votando sob o pretexto de progresso
performático do que "Emilia Pérez" simboliza, em vez de deixar que as
comunidades representadas no filme assumam a liderança e determinem se esta é
ou não uma representação que merece celebração."
“Emilia Pérez ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cinema de Cannes e
recebeu uma porção de elogios da crítica, mas a esmagadora maioria foi escrita
por críticos cisgênero. Quanto mais os críticos trans e queer viam o filme,
mais óbvios os problemas se tornavam. GLAAD até chamou o filme de “um retrato
profundamente retrógrado de uma mulher trans”, um sentimento que compartilho.
Mas aqueles que amam o filme continuam a aclamar como “progresso”, observando
que a indicação de Karla Sofia Gascón para Melhor Atriz é uma estreia histórica
para atores transgêneros em todos os lugares (apesar do fato de ela ter
insinuado que os críticos queer e trans que não gostaram do filme
dela eram “estúpidos” ). Mas quem pode ditar a aparência do
"progresso": as pessoas cis bem-intencionadas que tentam
desesperadamente provar que não são transfóbicas promovendo uma bagunça
regressiva, ou a comunidade LGBTQIA+ que tem se manifestado contra isso desde
que o agora infame clipe da música "do pênis para a vaginaaaaaaa"
começou a circular nas redes sociais?
por Amelia Hansford
(PinkNews)
“O roteiro de Emilia Pérez é tão
cisgênero que é quase satírico. Na verdade, é o maior indicador da identidade
de gênero de Audiard. Ele poderia muito bem ter a palavra “cis” tatuada na
testa. O que é imediatamente frustrante é que Emilia Pérez exala um tipo de
confiança que é quase nauseantemente segura de si mesma quando não deveria ser.
Por exemplo, juntando aumento de mama e rinoplastia com cirurgia de bumbum, ou
tendo Castro fisicamente recuando diante dos efeitos que os hormônios tiveram
no corpo de Pérez, ou quando a filha de Emilia diz que ela cheira “como um
homem”. É um roteiro tão alienado do processo de transição como mulher trans —
e ainda assim deixa escapar falsidades com uma convicção tão ousada e intensa —
que você pensaria que o próprio Audiard passou por 500 cirurgias diferentes de
afirmação de gênero de uma só vez.”
“Emilia Pérez é principalmente um filme sobre renascer, e tenta usar a
ideia de transição para transmitir que, por meio de sua transição, Emilia está
tentando se arrepender dos pecados que cometeu em seu tempo como chefe do
cartel. O problema com isso é que a transição não é uma decisão moral, e o ato
de transição por si só não o absolve de seu eu passado. Não é uma morte, nem um
renascimento. Em vez disso, Emilia continua a usar contatos do cartel, manipula
sua família para confiar e passar tempo com ela, torna-se fisicamente agressiva
perto do final do filme quando a reconexão não dá certo, e até opta por ameaçar
sua esposa, interpretada por Selena Gomez, com chantagem financeira. um deles é
enquadrado de uma forma que faz algum sentido temático e acaba apresentando
Emilia como mais uma personagem trans psicopata para adicionar à pilha.”
Emilia Pérez é ruim, na verdade. Por que a temporada de premiações adora isso?
por Samantha Allen, James Factora, Fran Tirado (them.us)
Fran Tirado: Também levei três
sessões para concluir, e cada uma delas pareceu mais torturante. Mas entrei no
filme de boa fé, como sempre faço, aberta e curiosa. Uma líder de cartel finge
sua própria morte e faz uma transição médica? Inscreva-me! Sou uma grande fã de
drama pelo drama. Adoro Ugly Betty e outras representações
"problemáticas" de vilania trans. Estava pronta para encontrar algo
de que gostasse — ou, pelo menos, algo que eu odiaria tanto que seria um
daqueles filmes tão ruins que é bom. Mas não foi nenhum dos dois. Odeio, odeio,
odeio esse filme. Achei que todos nele eram ruins — canto ruim, espanhol ruim,
atuação ruim ou presos a uma história ruim e, portanto, ruins por causa disso.
James Factora.: De qualquer forma, acho que Emilia Pérez é sintomática
de uma tendência que notei na produção cinematográfica na primeira metade desta
década (oh Deus): filmes que são apenas OK ou ativamente ruins, mas vêm
vestidos com todas as armadilhas do "prestígio". Eu provavelmente
teria adorado Emilia Pérez se tivesse sido realmente um filme B de baixa
qualidade (e comprometido em ser isso) em vez de uma produção brilhante que
então fica presa em algum lugar entre o camp e a seriedade. Este filme nos pede
para suspender tanta descrença (de novo, a coisa toda em que a personagem de
Selena Gomez de alguma forma magicamente não percebe ou mesmo suspeita que
Emilia é sua esposa de muitos anos?) e então... não nos leva a lugar nenhum. Se
você vai inventar um enredo que seja realmente maluco em todos os aspectos,
pelo menos se comprometa a fazer o filme em si maluco de uma forma divertida.
FT: Voltando à comparação com a Sra. Doubtfire. Se eu fosse insistir em
"representação", é abominável para mim dentro do realismo do filme
que Emilia faça o que faz. Ela troca de gênero, recusa a responsabilização por
uma vida inteira de mau comportamento e manipula sua esposa e filhos para
passarem tempo com ela sob pretextos fraudulentos. Este também é o enredo de
Sra. Doubtfire, mas Sra. Doubtfire é um bom filme porque entende o quão absurda
a personagem é. Emilia Pérez não sabe o quão absurda ela é. Em vez disso, sua
transição é enquadrada como uma absolvição, usada como uma ferramenta para
engano e feita para ser a razão de sua redenção e unção de santa no
final. É uma ideia de transgeneridade tão completamente da imaginação
cis. [ênfase adicionada] Se o filme tivesse percebido,
"Não, Emília realmente é a vilã", e ela tivesse continuado com seu
mau comportamento, talvez tivesse assassinado mais pessoas, perdido o controle,
alimentado seu próprio absurdo — esse é o filme para o qual me inscrevi!
O maior problema de Emilia Pérez é Emilia Pérez
por Harron Walker (The Cut)
“Não exijo realismo total de todos os filmes que vejo. Posso até
apreciar o exagero, intencional ou não, de Emilia acordando de suas 5 milhões
de cirurgias simultâneas, seu rosto enfaixado como uma múmia, exceto pelos
olhos e lábios. Mas espero que um cineasta tão tomado pelo conceito de
transição, alguém que demonstrou um certo nível de sensibilidade consciente em
seus esforços anteriores para retratar vidas diferentes da sua, pelo menos
demonstre uma compreensão informada de como esse conceito realmente se parece
na prática.”
“'A
transição de gênero parece fascinar quase todo mundo que não passou por
isso'”, escreveu certa vez a autora canadense Casey Plett ao criticar o que
ela chamou de 'romances de gênero', ou ficção que utiliza a transgeneridade
como uma metáfora para ajudar pessoas cis a aprender algo novo sobre si mesmas.
A análise de Plett é muito aplicável à transição de Emilia e ao propósito que
ela serve no filme. Para Epifanía, a namorada de Emilia interpretada por Paz, é
uma lição sobre se dar permissão para 'ser livre... tão livre quanto o ar'.
Para o cirurgião israelense transfóbico de Rita e Emilia, é alimento para um
experimento mental. Apesar de concordar em fazer os procedimentos, o cirurgião
sugere que, em vez de fazer uma cirurgia plástica, 'ele', ou seja, Emilia,
'melhor mudar de ideia', acrescentando que, embora o cirurgião possa mudar o
corpo de Emilia, 'você não pode mudar a alma'. Para isso, Rita argumenta:
'Mudar o corpo muda a alma. Mudar a alma muda a sociedade'. Acho que aí está um
pedaço de realismo do Monkey's Paw: duas pessoas cis debatendo a ética da
transgeneridade sem nenhuma pessoa trans presente.”
Crítica de Emilia Pérez – um musical que mal quer ser um musical
por
Juan Barquin (Little White Lies)
“Na primeira cena deles juntos, Rita literalmente suspira de
desgosto com Emilia (vestida de menino como Manitas) abrindo sua blusa para
'provar' que ela leva a sério a transição. Embora o público, felizmente, não
veja os seios pequenos que ela presumivelmente desenvolveu com dois anos de
hormônios, a cena de reação sozinha sendo tocada como uma revelação de horror
corporal é o suficiente.
As
políticas regressivas do filme estão em todos os lugares, não apenas na forma
como a transição de Emilia é apresentada (completa com uma cena de "mulher
encara sua nova vagina através de um espelho de bolso" que,
desconcertantemente, acontece enquanto Emilia ainda está enfaixada da cabeça
aos pés após a cirurgia). Toda vez que Emilia "reverte" para seus
"velhos hábitos", Gascon abaixa seu registro vocal como se quisesse
igualar masculinidade com maldade e feminilidade com bem. Homens podem não ser
mais do que adereços, mas o arco narrativo de nenhuma mulher é remotamente bem
desenvolvido, Audiard ignorando qualquer tentativa de desenvolvê-los,
fazendo-os entregar suas falas sem graça (com a pobre Gomez incapaz de terminar
algumas delas em sua língua nativa do filme, espanhol) até que sejam
descartadas.”
'Emilia Pérez' é o absurdo cis mais único que você já viu
por Drew Burnett Gregory (Autostraddle)
"Sejam feitas por nós ou sobre nós, quero mais histórias
trans que sejam audaciosas, ambiciosas e novas. O problema com Emilia Pérez é
que, embora seja nova em alguns aspectos, é muito, muito cansada em outros.
O
filme aborda quase todos os clichês trans que você pode imaginar:
- Assassino
de mulher trans
- Mulher
trans trágica
- Mulher
trans abandona esposa e filhos para fazer transição
- Transição
tratada como uma morte
- Deadnaming
e troca de gênero em momentos cruciais
- Mulher
trans descrita como metade homem/metade mulher”
“Não estou ofendido por nada nessa lista. Não é sobre ofensa ou algo não
ser permitido. É que é chato. Não entendo por que um filme que é tão maluco de
outras maneiras escolhe minar seus pontos fortes com essa compreensão
superficial de seu personagem titular.”
“Essa
é toda a experiência do filme. Um assombro maravilhoso é sentido durante um
número musical ou quando o filme permite que seu personagem trans aja de
maneiras que raramente vemos na tela. E então uma linha de diálogo será dita ou
uma escolha narrativa será feita que parece, na melhor das hipóteses, um
revirar de olhos e, na pior, um soco no estômago.
Emilia
Pérez é um desastre glorioso. Desde "Laurence Anyways", de Xavier
Dolan, nenhum filme trans foi tão ousado e tão chato ao mesmo tempo. Mas já faz
mais de uma década desde aquele filme e minha paciência está acabando.
Certamente, essa compreensão superficial de pessoas trans não pode ainda ser
interessante para pessoas cis. Quantas vezes as pessoas cis precisam aprender
sobre nós antes que um retrato como esse soe tão falso para elas quanto soa
para mim?”
'Emilia Pérez' é o musical divisivo da Netflix sobre um chefe de cartel trans
com Shar Jossell e Reanna Cruz (NPR)
CRUZ: O filme falhou de várias maneiras, acho que de muitas
maneiras também. Achei que estava estereotipando os mexicanos. Achei que estava
estereotipando as mulheres trans.
CRUZ:
Durante todo o tempo em que assisti, tive uma sensação muito estranha no
estômago porque, para mim, parecia que o cineasta estava pintando mulheres
trans como mentirosas. Mentirosas e pessoas que não conseguem dizer a verdade e
não sabem quem são. E as músicas meio que se inclinam para isso. Onde metade
das músicas você tem Emilia cantando 'Quem sou eu?' ou falando sobre 'Eu era um
ele e agora sou uma ela.'
JOSSELL:
Eu questionei quando estava assistindo isso, temos diversidade suficiente na
narrativa para publicar histórias como essa que meio que apenas alimentam a
máquina em vez de desafiá-la? E a resposta foi não. Isso não quer dizer que não
podemos ter uma representação trans de baixa qualidade, mas eu ainda estou
firme: não há representação trans suficiente para abrir espaço para a
representação de baixa qualidade. E eu nem estou sendo subjetivo com isso. É
uma porcaria. Ele literalmente se inclina para tropos prejudiciais... Eu senti
que ele banalizou a experiência trans e realmente reduziu as pessoas trans a
esses, tipo, enganadores egoístas. E eu odiei isso.
por Caden Mark Gardner (Plano reverso)
“Audiard pode ter tido as melhores
intenções, já que ele já trabalhou com artistas trans antes (incluindo Rebecca
Root em 'The Sisters Brothers'), mas não há interioridade suficiente dada à sua
protagonista trans para fornecer quaisquer riscos emocionais enquanto a
personagem serpenteia seu caminho para o martírio inevitável. Raramente há
qualquer sensação palpável de ansiedade enquanto Emilia olha por cima do ombro,
não apenas para a potencial retribuição do mundo do crime contra ela, mas
também para a transfobia sistêmica e o risco de violência associado a ser uma
pessoa trans que pode ser exposta contra sua vontade. O mais perto que os
espectadores chegam da incapacidade de Emilia de manter as aparências é quando
seus filhos estão envolvidos — esses raros momentos são humanizadores,
mostrando que em algum nível ela está agindo por algum nível de egoísmo e
orgulho.
Talvez eu não consiga, no final das contas, reunir uma reação forte de
uma forma ou de outra a Emilia Perez porque fiquei insensível à ideia de papas
na língua liberal como um alívio para as realidades terríveis que aguardam
pessoas trans como eu nos Estados Unidos. O que realmente me chocou foi ver o
vice-presidente eleito se gabar abertamente de sua transfobia em podcasts e
mais de US$ 200 milhões em anúncios antitrans sendo despejados na recente
eleição dos EUA, na qual mexicanos e pessoas trans se tornaram ameaças
existenciais intercambiáveis à ordem social pelos apoiadores de Trump. Não é que
eu pensasse que um progresso significativo havia sido feito ou que "o
mundo estava pronto para nós", mas testemunhar uma certa tensão de malícia
transfóbica que havia sido fomentada por trolls de extrema direita da internet
sendo transferidos para o cargo mais alto do mundo é um desenvolvimento
surreal, um com o qual a sociedade americana precisa contar. Com seus tropeços
narrativos e música sem brilho, Emilia Perez nunca seria um filme que eu
pudesse abraçar, mas sua chegada neste momento da história parece uma piada
cósmica malfeita.”
por Mattie Lucas (cinema
trans centenário)
Emilia Pérez foi recebida com críticas arrebatadoras em Cannes, seu estilo
musical incomum encantou o público antes de ser escolhido pela Netflix nos
Estados Unidos. No entanto, apesar de sua popularidade, pode ser um dos filmes
mais profundamente equivocados sobre transgeneridade que já vi... A transição
de sua protagonista é vista como dúbia e desonesta, um ato de manipulação por
meio do qual ela continua suas tentativas egoístas de controlar aqueles que
abandonou. Não apenas sua transição é retratada mais como um disfarce para
fugir das autoridades, é um ato de egoísmo contínuo que acaba destruindo não apenas
sua própria vida, mas a vida daqueles que ela ama.
Emilia Pérez é um filme regressivo que pensa que é woke. Provavelmente ganhará um Oscar.
por Kyndall Cunningham (Vox)
Ainda assim, a presença de Emilia Pérez na corrida do
Oscar não é exatamente um choque, dado que se encaixa perfeitamente em uma
categoria de filmes que o establishment branco de Hollywood adora celebrar:
histórias piegas sobre pessoas à margem da sociedade que permitem que os
espectadores se sintam socialmente conscientes por meio de seu consumo, sem
desafiar nenhum dos estereótipos e mensagens políticas apresentadas neles.
Mesmo com as tentativas superficiais de Audiard de validar a identidade
de gênero de Emilia, isso é amplamente interpretado como um disfarce ao longo
do filme. Momentos da "máscara" de Emilia deslizando em torno de sua
família parecem cenas arrancadas de Tootsie ou Sra. Doubtfire . Quando ela fica brava e violenta
com Jessi, sua voz volta a um tom profundo e rouco. Não há muito que separe
esse retrato da retórica antitrans prejudicial que sugere que mulheres trans
são atrizes enganosas que representam danos às mulheres cis.
Emilia Pérez é um desastre inovador
de David Opie (Yahoo)
“Mas assim como Green Book e Bohemian Rhapsody foram criados com
pessoas brancas e heterossexuais em mente, o mesmo pode ser dito de Emilia
Pérez. Exceto que, desta vez, são os espectadores cis que estão sendo
apaziguados nessa confusão insensível de um filme que já atraiu críticas de um
grande número de jornalistas trans (veja a crítica estelar de Drew Burnett
Gregory no Autostraddle , por exemplo).”
“Na
superfície de tudo isso, você teria dificuldade em sugerir que Emilia Pérez é
chata. Os números musicais, especialmente, são bastante audaciosos às vezes,
tanto estrutural quanto formalmente falando. No entanto, é a preocupação do
filme com o exterior superficial da própria Emilia que acaba sendo tediosa,
jogando com tropos transfóbicos há muito tempo considerados banidos para os
reinos do inferno, onde o vestido de Buffalo Bill e a cera de cabelo de Ace
Ventura podem ser encontrados.”
“Não
para por aí também. Ao longo do filme, Emilia Pérez é infinitamente submetida a
misgendering e deadnaming a cada momento, enquanto até mesmo a própria Emilia
estranhamente se refere ao seu corpo como “metade ele, metade ela” durante um
número romântico com outra mulher.”
“O
pior momento, no entanto, pior até do que o destino que eventualmente recai
sobre Emilia, é o momento em que nosso protagonista joga sua esposa desavisada
em uma cama e a ameaça usando a mesma voz baixa e masculina que ela usou antes
da cirurgia. É como se o chamado “mal” em Emilia fosse uma entidade separada, o
“homem” que ela foi criada para ser, em vez de ela ser a mesma pessoa passando
por uma jornada de transição.”
O thriller policial musical Emilia Perez é um esforço superficial e sem alma
Por Sarah-Tai Black (The Globe and Mail).
“Em termos da personagem que vemos em Emilia Pérez, a visão de
Audiard é, sem dúvida, um retrocesso na representação de mulheres trans no
cinema, que historicamente já foi, em uma palavra, abismal.”
“Após
se reunir com Jessi e seus filhos sob o disfarce de ser uma prima distante de
Manitas (sim, à la filme de Chris Columbus de 1993, Uma Babá Quase Perfeita),
Emilia luta para reconciliar o relacionamento passado dela e de Jessi com seu
contexto presente irrevogavelmente alterado, “revertendo” à violência e
demonstrações manipuladoras de poder quando confrontada com as crescentes
pressões de sua realidade atual. Isso seria bom se esses tipos de danos não
fossem profundamente codificados como uma “regressão” da parte de Emilia ao seu
antigo eu “masculino”; notavelmente, a atriz Gascón abaixa sua voz em vários
registros em tais cenas e, mais tarde no filme, tem seus dedos perfeitamente
manicurados – anteriormente um componente crucial da sintaxe visual feminina de
sua personagem, ao lado de figurinos elegantes e elegantes realizados por
Anthony Vaccarello de Yves Saint Laurent – cortados
por sequestradores.”
“É
um filme superficial e sem alma que não tem fé na inteligência do seu público,
desperdiça as habilidades consideráveis das
suas atrizes principais e, com a sua política
superficial e inerte, é
patologicamente audacioso no pior sentido.”
Emilia Pérez é um desastre do começo ao fim
por Douglas Markowitz (Miami New Times)
“É apropriado que Emilia Pérez, o filme musical do diretor francês
Jacques Audiard sobre um chefe de cartel transgênero, comece com um sequestro
porque, durante toda a sua duração interminável de 132 minutos, eu me senti
como se eu fosse o único a ser mantido refém. Não é simplesmente o pior filme
do ano; é um insulto cruel, não apenas às pessoas trans, mas a toda a nação do
México.”
“Falando
nisso, a personagem Emilia também se torna uma questão importante para o filme,
o que faz perguntas constantes sobre se ela é genuinamente uma nova mulher. No
início do filme, ela convence o obscuro médico israelense (Mark Ivanir)
contratado por Rita para completar a cirurgia de que ela sempre escondeu sua
verdadeira identidade de gênero como um mecanismo de sobrevivência, mas assim
que ela traz sua família para casa, ela começa a questioná-la. Depois de saber
do caso de Jessi, Emilia volta ao registro vocal masculino de Manitas para
castigá-la e ameaçá-la, como se o homem ainda estivesse dentro dela. Uma música
a vê se caracterizar como 'metade dele, metade dela/metade papai, metade tia.'”
“Sou
um homem hétero e cisgênero, e não posso afirmar que entendo a experiência
trans completamente. (Embora, com certeza, críticos trans como meu
colega do New Times, Juan Barquin,
também tenham criticado o filme .) Mas nenhuma das
pessoas transgênero na minha vida questionaria se elas são ou não o gênero que
afirmam ser. No entanto, Emilia constantemente volta atrás em sua identidade
escolhida. O filme parece acreditar que seu personagem-título é um homem confuso
e pervertido. Ele trafica nos mesmos estereótipos cansados e
perigosos que foram atribuídos às
pessoas trans por gerações.”
O hype do Oscar para Emilia Pérez é desconcertante, e a comunidade trans merece algo melhor
por Peter Knegt (CBC)
“Muitos estão prevendo que Emilia Pérez receberá uma série de
indicações, incluindo uma para Gascón, que se tornaria o primeiro ator
abertamente trans de qualquer gênero a ser indicado ao Oscar, o que obviamente
seria um grande negócio. Mas precisamos que os órgãos de votação em grande
parte (leia-se quase inteiramente) cisgêneros da temporada de premiações tenham
cuidado ao abraçar essa narrativa — não por causa de Gascón (que está bem no
filme), mas porque Emilia Pérez é um filme confuso, insensível e muitas vezes
desconcertante que não parece entender (ou mesmo se importar em entender) seu
personagem trans titular. E eu prometo a você que apostar tudo nisso nesta
temporada de premiações envelhecerá tão bem quanto Green Book, vencedor de
melhor filme.”
Extraido de: https://glaad.org/emilia-perez-is-not-good-trans-representation/
(Atualizado em 15/11/24, 20h10 / Atualizado em 13/12/24 / Atualizado em
05/01/25 / Atualizado em 09/01/25 / Atualizado em 24/01/25)
Nenhum comentário:
Postar um comentário