terça-feira, 20 de agosto de 2024

FOLIA SETE ESTRELAS, O MATRIARCADO RETORNA A SUA JORNADA

 

Lacy e o núcleo familiar da Folia Sete estrelas do Rosário de Maria


Por Ivan Machado*

Lacy, mais conhecida como Lazinha, tem 57 anos e é a nova mestra da tradicional @folia_de_reis_sete_estrela.7 sediada em Mesquita, na Baixada Fluminense. 

Filha de Dona Maria Ana, matriarca da Folia Sete Estrelas do Rosário de Maria. Desde criança acompanho todas as fases da jornada de nossa bandeira, desde a costura das fardas, ensaios e preparação da alimentação dos convidados das nossas festas de arremate. Com o falecimento de nossa mãe em outubro de 2010, meu irmão Sidnei assumiu a folia, com muita dificuldade, por conta de seu trabalho que o fazia viajar de caminhão e ficar muito tempo fora de casa.  Nesse ano de 2024, após longas conversas sobre o risco de nossa folia parar suas atividades, resolvi assumir definitivamente a bandeira com minha filha Elizangela, que vai ocupar minha função de contramestre.

 Principais informações sobre a folia Sete Estrelas do Rosário de Maria

Ano de fundação da Folia: 1867
Número de componentes: 38
Endereço da sede da Folia: Rua Otacílio Tavares, 86 - Chatuba, Mesquita-RJ

 

Lacy com sua mãe, D. Mariana

É a partir relatos de Dona Mariana do município que se tem informações sobre a primeira saída da “Sete Estrelas”, em Monte Verde, distrito de Camanducaia, município de pouco mais de quatro mil habitantes, em Minas Gerais. Segundo ela, Seu avô Domingos Ramos deu início à jornada que, por sua vez, passou a bandeira para seu filho Antonio Jacinto que, por conseguinte, também passa a seu primogênito Antonio Jacinto Filho. Pelo fato de seu filho ser menor de idade e suas condições precárias de saúde, Jacinto Filho passa a bandeira para sua irmã Maria Ana. Após passar por municípios fluminenses como Itaperuna, Cambucí, Dona Mariana vem pra Baixada Fluminense, primeiro em Duque de Caxias e por fim, se instala no bairro da Chatuba em Mesquita, onde criou seus filhos e onde nasceram seus netos e bisnetos, todos envolvidos diretamente com a folia de Reis.

 O desafiador protagonismo feminino nas culturas populares

As mulheres sofrem constantemente com o machismo arraigada em muitas de nossas tradições populares. Ainda que seja a mulher quem sustenta com sua sabedoria e práticas a base de nossa cultura popular. É inegável que a sociedade urbana e capitalista mantenha suas estruturas, onde que é o homem branco hetero quem impõe seu modo de vida, sobretudo por ser esse o perfil de quem domina os meios de produção e acumula riqueza.

Mesmo entre grupos populares e tradicionais, muitas vezes espera-se que as mulheres assumam papéis tradicionais, como cuidar da família, da comida ou mesmo educar crianças, o que pode limitar suas oportunidades de liderança e participação em atividades culturais. Sabemos que mulheres de diferentes raças, etnias e classes sociais enfrentam desafios adicionais. No entanto, mulheres negras e periféricas podem enfrentar tanto racismo quanto sexismo de forma amplificada, o que complica ainda mais sua posição em grupos culturais. A violência, tanto física quanto psicológica, é  outro obstáculo significativo. Mulheres em posições de liderança podem ser alvo de assédio e violência, o que pode desencorajá-las a continuar em suas funções. A sub-representação de mulheres em posições de poder e decisão em grupos culturais pode perpetuar a desigualdade e limitar a diversidade de perspectivas e experiências.

Reafirmar a capacidade intelectual das mulheres é papel fundamental do homem que se diz comprometido com uma sociedade mais justa, exatamente porque a injustiça é algo comum entre grupos que não disputam a chamada economia da cultura, que se estabelece inclusive como modelo de gestão, o que relega a segundo plano as manifestações populares que surgem da base da sociedade, sobretudo no que se refere à camada menos favorecida economicamente. Assim, fortalecer a imagem da mulher líder em grupos de cultura popular e tradicional com as foias de reis, torna-se uma missão, considerando que novas gerações de líderes surgem naturalmente também nesses grupos. O lugar que Lacy ocupa hoje é então um espaço não apenas de liderança mas também didático e educativo por natureza.

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*Ivan Machado é historiador, produtor artístico e presidente do Centro de cultura Popular da Baixada Fluminense

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