terça-feira, 15 de abril de 2025

RIO, CAPITAL MUNDIAL DO LIVRO: “Quem tem tempo pra ler?”

 

Feira de livro em shopping: alternativa para alcançar novos leitores

* Por Ivan Machado

Durante seu segundo mandato, o presidente Lula deu diversas entrevistas. Em uma delas Lula disse o seguinte: “tem duas coisas que eu faço no dia a dia, por necessidade. A primeira é fazer 20 minutos de esteiras e a segunda é ler um bom livro”. Seja na vida acadêmica ou por exigência de atribuições profissionais, é lugar-comum em nossos dias ter a leitura como ferramenta de qualificação profissional, antes de ser uma paixão que nos move e nos comove naturalmente.

No dia 23 de abril a cidade do Rio de janeiro vai ser declarada capital mundial do livro, o que me faz refletir sobre a relevância da leitura na vida de cada um de nós. Essa breve reflexão traz ponderações sobre o que foi socialmente construído em nosso cotidiano e o quanto o livro se tornar algo que faz parte de nossa história de vida.

Durante um deslocamento para casa, tive a oportunidade de conversar com um motorista de aplicativo sobre generalidades da vida, como forma de aplacar o tédio de viajar em silêncio. Entrando em temas que têm a ver como o direito de cada cidadão ao que é produzido culturalmente, a leitura entrou na pauta da conversa. ”Tá. Mas, quem tem tempo pra ler?”, afirmou o motorista, após ser questionado sobre o acesso precário das pessoas à boa literatura, para além da escola. Ao fim da viagem, fui levado a crer que o acesso a esse direito está em um dos últimos degraus na escala de prioridade do público adulto.

Outra questão importante que se relaciona com o acesso ao livro, em comparação ao direito à leitura. No que diz respeito a força midiática do livro e o incentivo à leitura decorrente disso, a balança comercial vem pendendo ao desaparecimento de lojas físicas enquanto sintoma. Segundo matéria publicada no site do G1 em dezembro de 2023, 26 novas livrarias foram abertas entre 2016 e o ano na qual foi feita a publicação da citada matéria, ao passo que aproximadamente 60 livrarias fecharam no mesmo período. A matéria mostrou também que há um investimento na descentralização das livrarias, na busca por uma aproximação entre lojistas e leitores, enquanto estratégia de mercado.

Uma alternativa dos produtores, em relação à aproximação entre o mercado do livro e o público leitor, foi o investimento nas feiras de livros, com exemplares a preços populares. A Feira Literária Internacional de Paraty – FLIP, uma das pioneiras dessa tendência, teve sua primeira edição em 2003. O evento se transformou em um evento que entrou para o calendário cultural Fluminense, motivando a criação de outras feiras literárias pelo estado, tais como: FLIM (Festa Literária Internacional de Maricá), FLIRio (Festa de Literatura e Cultura em Rio das Ostras) e o movimento Novembro Literário. Esse último se caracteriza por um conjunto de feiras literárias de menor porte, que ocorrem em diferentes cidades do estado do Rio de Janeiro, durante o mês de novembro, com programação diversificada para todas as idades.

Duas iniciativas se mostraram bem sucedidas na Baixada Fluminense, colocando a literatura no centro das atrações culturais, na região. O Festival Internacional da diáspora Africana de São João de Meriti - FLIDAM, teve sua primeira edição em 2013. Entre seus objetivos o festival visa  Oportunizar aos moradores de São João de Meriti e entorno um festival literário que dê visibilidade e valorize a ancestralidade, o conhecimento e a produção intelectual da população afrodescendente através de ações culturais de diversas linguagens”.

O FLIDAM é uma rica oportunidade no sentido de dar acesso à literatura afro centrada à população majoritariamente negra, da Baixada Fluminense, além de criar pontes entre a literatura e outras linguagens culturais, circulantes dentro e fora da região.

O Festival Literário da Baixada Fluminense, por sua vez, se propõe a aliar música e dança ao universo da literatura. Em sua segunda edição em março desse ano, o FLIB tem uma atração extra, que é o fato de acontecer no Parque Natural do Jericinó em Nilópolis, dando um toque ambientalista às abordagens.   Segundo a idealizadora do projeto, Tayana dos Santos, “o objetivo é estimular o hábito da leitura e imergir a comunidade local em experiências culturais”.

Contudo, permanece o questionamento feito no início. Quem tem tempo pra ler, quando parte da camada mais estável financeiramente cumpre uma carga horaria pesada, entre tempo de trabalho remoto ou no precário e pesado tempo de deslocamento entre casa e trabalho? Por outro lado, quem vive do trabalho precarizado sofre com uma carga horária que ultrapassa com facilidade as 12 ou mais horas de jornada, restando a essa camada de trabalhadores e trabalhadoras apenas o cansaço. Vale observar que aquela categoria de trabalhadores remotos praticamente não se desconecta de seus computadores ou celulares, pelo bem da produtividade.

É uma cultura do trabalho que impõe a quem trabalha, total responsabilidade sobre um eventual silêncio nos canais virtuais de comunicação, ao que essas pessoas acabam por se sentir de fato responsáveis por uma carga de trabalho da qual poucos se desconectam de fato, ao fim do período definido por lei. O que resta em muitos casos, após tanto esforço físico ou intelectual é uma transição de tela para os streaming, se transportando do trabalho para o lazer, em um clic. A final, é possível que a chefia necessite de algum auxílio com urgência.

“O quarto ao Lado” e a relação contemporânea com o livro

Tilda Wintan (Martha) - sem paz interior para ler
Martha (Tinda Swinton): sem paz interior para ler?
Uma riqueza o filme “ O Quarto ao lado, disponível na plataforma NETFIX. Abordando temas atuais da classe média e contando com um elenco de ponta, a trama conta com atuações impecáveis, onde pessoas maduras que têm uma vida financeira confortável, discutem as relações entre vida, morte e os conflitos existentes nesse meio de caminho.  Dois diálogos dão conta de descrever os extremos da relação de pessoas de boa formação intelectual, com a leitura. No primeiro, A personagem Martha, interpretada por Tilda Swinton, revela à amiga Ingrid (Julienne Moore) sua incapacidade de dedicar tempo de qualidade à leitura, devido ao câncer em estágio terminal, com o qual convive. Para Martha, ler requer um esvaziamento mental e uma concentração que sua condição psicológica não permite, tendo em vista seu problema, tido por ela como insolúvel.

Em outra cena, Ingrid dialoga com Damian (John Tortugo), que em certo momento desvia a conversa sobre a doença de Martha, para falar sobre a difícil relação da sociedade atual com questões climáticas, tema sobre o qual se debruça há décadas. Damian fala sobre sua apatia sobre coisas interessantes da vida na maturidade. Ao ser questionado pela amiga quanto fato de não estar doente, tornando, segundo ela, injustificável tal condição, ele diz:  “Não [estou doente], mas me sinto assim, principalmente depois da Pandemia. Eu não vou ao cinema, não ouço música... Eu leio muito, mas só assuntos relacionados às minhas palestras”. Quantos de nós, assim como Damian, também nos dedicamos à leitura, apenas por força das responsabilidades que temos? Quando na verdade preferiríamos estar em algum sossegado e confortável, exercendo nosso justo direito ao ócio?

Damian (John Tortugo): ler, apenas por força do trabalho?

Como então se ater ao livro físico em uma sociedade cada vez mais multissensorial? Os e-books e aparelhos especificamente voltados à leitura não possibilitam aquela fuga rápida de uma janela virtual à outra, como nos tablets e notebooks. Ou seja, ainda que seja compacto e perfeitamente portátil, o livro requer atenção exclusiva e um certo nível de isolamento social, algo impensável à maioria das pessoas que se habituaram ao mundo digital. E o que dizer quem depende de aplicativos para gerar renda, como os motoristas de aplicativos e motoboys? Esses, que em muitos casos, tiveram ao longo da vida pouco incentivo à leitura, fatalmente não exigirão que o livro seja prioridade no contexto da “boa educação”, a qual buscam a seus filhos. Isso se dá não apenas por conta da pesada carga de trabalho, mas também do histórico familiar em relação à leitura.

A escola, sim, tem se configurado como saída, com vistas à motivação das novas gerações de leitores. A direção dos estabelecimentos de ensino devem, no entanto, compreender que o apaixonamento das crianças e adolescentes pela literatura passa por mediações. As rodas de leitura, oficinas de teatro e até mesmo o RAP pode conduzir os alunos ao mundo das letras, incentivando-os ao exercício da criatividade e o uso da imaginação, fatores que o leitor assíduo passa exercitar em seu dia a dia. Quanto as famílias, há que se pensar no abismo geracional existente hoje, desde que a IBM lançou o primeiro smatphone em 1994, onde a principal inovação era o aparelho capaz de enviar e-mails, além de torpedos e a tradicional ligação telefônica, que não interferiam nos vínculos sociais e na apreciação da literatura.     

Há, no entanto, uma luz no fim do túnel. Com a publicação da A Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos nas escolas públicas e particulares, os estabelecimentos de ensino que lidam com os anos iniciais receberam uma importante ferramenta para ampliar o esforço em favor da leitura. O livro, assim como o que preconiza a lei citada, contribui também para a saúde mental da população, sobretudo no que se refere às jovens mentes em formação.

Por fim, é interessante reproduzir no campo da leitura o que é difundido no universo da alimentação saudável. Para que uma criança apenda a se alimentar corretamente, é fundamental que os pais ou responsáveis também estejam comprometidas com a ideia de “alimentação saudável”, fazendo com que mesmo na mais tenra idade, a criança aprenda pela imitação, lendo a sociedade a partir de que mais os influencia.

 -------------------------------
* Ivan Machado é mestre em educação, especialista em Arte-Educação, professor de história e presidente do Centro de Cultura Popular da Baixada Fluminense.

Nenhum comentário:

Postar um comentário