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Feira de livro em shopping: alternativa para alcançar novos leitores |
* Por Ivan Machado
Durante seu segundo mandato, o
presidente Lula deu diversas entrevistas. Em uma delas Lula disse o seguinte: “tem duas coisas que eu faço no dia a dia,
por necessidade. A primeira é fazer 20 minutos de esteiras e a segunda é ler um
bom livro”. Seja na vida acadêmica ou por exigência de atribuições profissionais,
é lugar-comum em nossos dias ter a leitura como ferramenta de qualificação
profissional, antes de ser uma paixão que nos move e nos comove naturalmente.
No dia 23 de abril a cidade do Rio
de janeiro vai ser declarada capital mundial do livro, o que me faz refletir sobre
a relevância da leitura na vida de cada um de nós. Essa breve reflexão traz ponderações
sobre o que foi socialmente construído em nosso cotidiano e o quanto o livro se
tornar algo que faz parte de nossa história de vida.
Durante um deslocamento para casa,
tive a oportunidade de conversar com um motorista de aplicativo sobre
generalidades da vida, como forma de aplacar o tédio de viajar em silêncio. Entrando
em temas que têm a ver como o direito de cada cidadão ao que é produzido
culturalmente, a leitura entrou na pauta da conversa. ”Tá. Mas, quem tem tempo
pra ler?”, afirmou o motorista, após ser questionado sobre o acesso precário
das pessoas à boa literatura, para além da escola. Ao fim da viagem, fui levado
a crer que o acesso a esse direito está
em um dos últimos degraus na escala de prioridade do público adulto.
Outra questão importante que se relaciona com o acesso ao livro, em comparação ao direito à leitura. No que diz
respeito a força midiática do livro e o incentivo à leitura decorrente disso, a
balança comercial vem pendendo ao desaparecimento de lojas físicas enquanto
sintoma. Segundo matéria publicada no site do G1 em dezembro de 2023, 26 novas
livrarias foram abertas entre 2016 e o ano na qual foi feita a publicação da
citada matéria, ao passo que aproximadamente 60 livrarias fecharam no mesmo
período. A matéria mostrou também que há
um investimento na descentralização das livrarias, na busca por uma aproximação
entre lojistas e leitores, enquanto estratégia de mercado.
Uma alternativa dos produtores, em
relação à aproximação entre o mercado do livro e o público leitor, foi o
investimento nas feiras de livros, com exemplares a preços populares. A Feira
Literária Internacional de Paraty – FLIP, uma das pioneiras dessa tendência,
teve sua primeira edição em 2003. O evento se transformou em um evento que
entrou para o calendário cultural Fluminense, motivando a criação de outras
feiras literárias pelo estado, tais como: FLIM (Festa Literária Internacional
de Maricá), FLIRio (Festa de Literatura e Cultura em Rio das Ostras) e o
movimento Novembro Literário. Esse último se caracteriza por um conjunto de
feiras literárias de menor porte, que ocorrem em diferentes cidades do estado do
Rio de Janeiro, durante o mês de novembro, com programação diversificada para
todas as idades.
Duas iniciativas se mostraram bem
sucedidas na Baixada Fluminense, colocando a literatura no centro das atrações culturais,
na região. O Festival Internacional da diáspora Africana de São João de Meriti -
FLIDAM, teve sua primeira edição em 2013. Entre seus objetivos o festival visa “Oportunizar
aos moradores de São João de Meriti e entorno um festival literário que dê
visibilidade e valorize a ancestralidade, o conhecimento e a produção
intelectual da população afrodescendente através de ações culturais de diversas
linguagens”.
O FLIDAM é uma rica oportunidade no
sentido de dar acesso à literatura afro centrada à população majoritariamente
negra, da Baixada Fluminense, além de criar pontes entre a literatura e outras linguagens
culturais, circulantes dentro e fora da região.
O Festival Literário da Baixada
Fluminense, por sua vez, se propõe a aliar música e dança ao universo da
literatura. Em sua segunda edição em março desse ano, o FLIB tem uma atração
extra, que é o fato de acontecer no Parque Natural do Jericinó em Nilópolis,
dando um toque ambientalista às abordagens. Segundo
a idealizadora do projeto, Tayana dos Santos, “o objetivo é estimular o hábito da leitura e imergir a comunidade
local em experiências culturais”.
Contudo, permanece o
questionamento feito no início. Quem tem tempo pra ler, quando parte da camada
mais estável financeiramente cumpre uma carga horaria pesada, entre tempo de
trabalho remoto ou no precário e pesado tempo de deslocamento entre casa e
trabalho? Por outro lado, quem vive do trabalho precarizado sofre com uma carga
horária que ultrapassa com facilidade as 12 ou mais horas de jornada, restando a essa camada de trabalhadores e trabalhadoras apenas o cansaço. Vale observar
que aquela categoria de trabalhadores remotos praticamente não se desconecta de
seus computadores ou celulares, pelo bem da produtividade.
É uma cultura do trabalho que
impõe a quem trabalha, total responsabilidade sobre um eventual silêncio nos
canais virtuais de comunicação, ao que essas pessoas acabam por se sentir de
fato responsáveis por uma carga de trabalho da qual poucos se desconectam de
fato, ao fim do período definido por lei. O que resta em muitos casos, após tanto
esforço físico ou intelectual é uma transição de tela para os streaming, se transportando do trabalho
para o lazer, em um clic. A final, é possível que a chefia necessite de algum
auxílio com urgência.
“O quarto ao Lado” e a relação
contemporânea com o livro
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Martha (Tinda Swinton): sem paz interior para ler? |
Em outra cena, Ingrid dialoga com
Damian (John Tortugo), que em certo momento desvia a conversa sobre a doença de
Martha, para falar sobre a difícil relação da sociedade atual com questões climáticas,
tema sobre o qual se debruça há décadas. Damian fala sobre sua apatia sobre
coisas interessantes da vida na maturidade. Ao ser questionado pela amiga quanto
fato de não estar doente, tornando, segundo ela, injustificável tal condição,
ele diz: “Não [estou doente], mas me
sinto assim, principalmente depois da Pandemia. Eu não vou ao cinema, não ouço
música... Eu leio muito, mas só assuntos relacionados às minhas palestras”.
Quantos de nós, assim como Damian, também nos dedicamos à leitura, apenas por
força das responsabilidades que temos? Quando na verdade preferiríamos estar em
algum sossegado e confortável, exercendo nosso justo direito ao ócio?
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Damian (John Tortugo): ler, apenas por força do trabalho? |
A escola, sim, tem se configurado
como saída, com vistas à motivação das novas gerações de leitores. A direção
dos estabelecimentos de ensino devem, no entanto, compreender que o
apaixonamento das crianças e adolescentes pela literatura passa por mediações.
As rodas de leitura, oficinas de teatro e até mesmo o RAP pode conduzir os
alunos ao mundo das letras, incentivando-os ao exercício da criatividade e o
uso da imaginação, fatores que o leitor assíduo passa exercitar em seu dia a
dia. Quanto as famílias, há que se pensar no abismo geracional existente hoje,
desde que a IBM lançou o primeiro smatphone
em 1994, onde a principal inovação era o aparelho capaz de enviar e-mails,
além de torpedos e a tradicional ligação telefônica, que não interferiam nos vínculos
sociais e na apreciação da literatura.
Há, no entanto, uma luz no fim do
túnel. Com a publicação da A Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso de
celulares e outros aparelhos eletrônicos nas escolas públicas e particulares, os
estabelecimentos de ensino que lidam com os anos iniciais receberam uma
importante ferramenta para ampliar o esforço em favor da leitura. O livro,
assim como o que preconiza a lei citada, contribui também para a saúde mental
da população, sobretudo no que se refere às jovens mentes em formação.
Por fim, é interessante reproduzir no campo da leitura o que é difundido
no universo da alimentação saudável. Para que uma criança apenda a se alimentar
corretamente, é fundamental que os pais ou responsáveis também estejam
comprometidas com a ideia de “alimentação saudável”, fazendo com que mesmo na
mais tenra idade, a criança aprenda pela imitação, lendo a sociedade a partir
de que mais os influencia.
* Ivan Machado é mestre em educação, especialista em Arte-Educação, professor de história e presidente do Centro de Cultura Popular da Baixada Fluminense.
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